Resumo: Propósito do Trabalho: Para Bresser-Pereira (2008), o Brasil, desde 1995, vem implementando mudanças na gestão pública nos níveis federal, estadual e municipal, na busca de ser mais eficiente e eficaz no consumo de recursos e no oferecimento de serviços aos cidadãos, necessitando de ferramentas de gestão capazes de uma visão multifacetada. O Balanced Scorecard (BSC) é uma dessas tecnologias, ferramenta de escopo diversificado, possibilitando a gestão estratégica além do foco financeiro. Tais características estão alinhadas ao que necessitam os órgãos públicos, pois têm mais responsabilidades com aqueles que pagam seus impostos e com a coletividade em geral, necessitando de uma gestão de foco amplo.
Neste ambiente, o Exército Brasileiro passou a adotar um sistema de planejamento e gestão, descentralizando a decisão do modelo de gestão para suas unidades. A Terceira Região Militar (3ª RM) buscou implementar o BSC em suas atividades, pois de acordo com seus valores institucionais, é voltada para inovação, o aprimoramento de sua gestão, para melhora dos resultados organizacionais (PG 2015-18).
No entanto, a implantação de novas metodologias de controle de gestão movimentam muitas variáveis organizacionais. Uma série de fatores impacta cada processo de mudança específico, e esses fatores interagem, tornando o processo complexo (Innes & Mitchell, 1990), que continuam a mudar inclusive após a implementação (Mouritsen, 2005), tal como descrito no modelo de análise de Kasurinem (2002). Considerando a adoção do BSC no EB como potencial alvo destas barreiras, o objetivo desta pesquisa é analisar as barreiras encontradas no processo de implementação do BSC em uma unidade do EB, seguindo o modelo de Kasurinem (2002).
Base da plataforma teórica: Balanced Scorecard
Kaplan e Norton (1997) iniciaram nos anos de 1990 um projeto de pesquisa para o desenvolvimento de um novo sistema de medição de desempenho (SMD), momento em que os ativos baseados em conhecimento tinham se tornados vitais para o sucesso competitivo das empresas. Embora o foco inicial do BSC tenha sido empresas com fins lucrativos, ele pode oferecer motivação e responsabilidades relevantes para instituições do setor público.
Relacionado ao foco da administração pública, Pedro (2004) indica que geralmente está centrado no sentido de cumprir normas legais e metas orçamentárias, em detrimento da fixação de objetivos claros e voltados para o alcance de resultados. Segundo o autor, a metodologia BSC permite a criação de uma visão integral da instituição, desenvolve um olhar em frente, alinha sua estrutura, estabelece iniciativas em direção da estratégia, além de influenciar o comportamento das pessoas-chave. Assim, o autor argúi que o BSC possui amplo campo de aplicação nas instituições do setor público.
Barreiras do processo de implantação
Para Kaplan e Norton (1997, p. 200) a dificuldade de implementação da estratégia organizacional gera “barreiras gerenciais tradicionais”. Os autores identificam quatro tipos: visão e estratégia não executáveis, estratégia não associada às metas de departamentos, equipes e indivíduos, estratégias não associadas à alocação de recursos, Feedback tático, não estratégico. Kasurinen (2002) categorizou os tipos de barreiras que dificultam, atrasam ou mesmo impedem um processo de mudança em controle de gestão. O estudo foi desenvolvido no projeto de implantação do Balanced Scorecard em uma organização finlandesa.
O modelo propõe três categorias de barreiras: confundidoras, frustradoras e retardadoras: confundidora (incluem-se os fatores que possam confundir ou perturbar o futuro do projeto), frustradora (estão compreendidas as iniciativas e ações que possam suprimir as mudanças na organização), retardadora: fatores que atrasam a mudança desejada, sendo, normalmente, temporários e de natureza técnica.
Ao analisar estudos recentes, diferentes barreiras foram encontradas, demonstrando a diversidade de fatores que podem impedir ou atrasar a implementação de ferramentas de gestão. Tais barreiras incluem: cultura organizacional, falta de conhecimento dos gestores, falta de informação para os níveis inferiores, resistência a mudança, diferenças de prioridades na organização, desconfiança em relação ao futuro do projeto, falta de um sistema de gerenciamento da estratégia, comunicação clara a todos os funcionários sobre seu desempenho, desconhecimento das metas pelo operacional, desconhecimento de acordo de resultados, imposição de metas e indicadores, inadequado gerenciamento do projeto de implantação, falta de participação dos níveis inferiores, falta de patrocínio das lideranças, distanciamento do planejamento e a execução, medo de exposição das pessoas, e falta de sistema informatizado de alimentação dos indicadores (Alcântara et al., 2015; Bilar e Moura, 2014; Fryszman, 2015, Nobeschi, Siqueira e Lugoboni, 2015).
Desta forma, entende-se que estas pesquisas identificam o papel prejudicial de fatores no processo de implementação de uma metodologia de gestão. Mas as mesmas não reconhecem o potencial de impacto de cada fator e se existe uma hierarquia entre eles, ou seja, um fator que pode suprimir o projeto é mais importante do que aquele que simplesmente atrasa o processo de implementação, campo para novos estudos.
Método de investigação: Este estudo tem a finalidade de analisar as barreiras encontradas no processo de implementação do BSC em uma unidade do Exército Brasileiro, utilizando do modelo de Kasurinen (2002). Para isso, utiliza como estratégia de pesquisa o estudo de caso único, com uma abordagem descritiva e qualitativa (Gil, 2010), pois visa à caracterização da implantação de um sistema de medição de desempenho.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista, questionário, observação sistemática e análise de documentos, durante o segundo semestre de 2015. A entrevista semiestruturada foi realizada com o assessor de gestão (informante-chave), que foi o gestor do processo de implantação do BSC. A entrevista ocorreu na sede da instituição pesquisada, em outubro de 2015, gravada em áudio, com duração superior a uma hora. Teve como base um roteiro de pesquisa, com pontos previamente demarcados pelos pesquisadores, inspirados na entrevista de Ferreira (2011), os quais conduziram a conversação (Gil, 2010). Incluiu os seguintes pontos: o surgimento da necessidade de um SMD; a escolha do SMD; descrição do processo de implantação; treinamentos oferecidos; montagem dos indicadores; e, a participação do pessoal dos diversos níveis da organização.
Após, foi enviado um questionário para três pessoas envolvidas na implantação do BSC, segundo indicações do informante-chave. Os referidos questionários, construídos também inspirados em Ferreira (2011), objetivaram triangular as informações e, ainda, identificar novas dificuldades enfrentadas na implantação do BSC e não relatadas na entrevista.
Ainda, como fonte de evidência, foi realizada observação sistemática, e documentos produzidos durante a implantação e mesmo após, destacando os planos de gestão 2009-2012 (PG 2009-12) e 2015-2018 (PG 2015-18), que contêm o planejamento estratégico organizacional, os mapas estratégicos dos referidos planos de gestão e os relatórios anuais de gestão de 2009 a 2014.
Após, foi procedida uma análise de conteúdo, quando inicialmente foi realizada uma leitura geral dos documentos coletados e audição do material da entrevista, isso, utilizando o referencial teórico como base, com a finalidade de organizar os dados em categorias de análise (Silva & Fossá, 2015). Para categorização foi utilizada a classificação de Kasurinen (2002) para as barreiras que interferem na implantação de um sistema de gestão.
Resultados, conclusões e suas implicações: O processo de implementação do BSC na 3ª RM
Segundo Kaplan e Norton (1997) o processo de implementação do BSC ocorre em aproximadamente doze meses. Na 3ª RM, o processo começou em 2008 e no início de 2015 pode ser considerado, segundo assessor de gestão, como quase 100% implementado no Comando da 3ª RM e 40% nas OMDS. Tal desempenho no processo de implementação é indicativo da existência de barreiras, elemento motivador do estudo de caso. O processo de implantação pode ser dividido em dois períodos distintos. Inicialmente do ano 2008 à primeira metade do ano 2013 e o segundo período de junho de 2013 até atualmente.
Período de 2008 a primeira metade 2013
Em acordo com o modelo, a falta de patrocinador parece ter confundido e causou embaraço para o processo, contribuindo para que o projeto do BSC não avançasse; seria uma barreira classificada como confundidora. Alcantara et al. (2015) relata em sua pesquisa que esse fator foi praticamente anulado naquele caso, pois a mais alta autoridade da instituição se envolveu no processo de implantação do SMD e isso foi determinante para o seu sucesso, o que não ocorreu no caso aqui analisado, em que o apoio ocorreu somente no início do processo, pela escolha do modelo do SMD.
A barreira cultura organizacional, é classificada como capaz de suprimir o projeto BSC, ou seja, uma frustradora. No caso em estudo, dado que o projeto continuou, infere-se que a barreira atuou de maneira diferente, contribuiu para confundir e embaraçar o andamento do processo, ou seja, manifestou-se como confundidora. O que pode ter contribuído para a mudança de ação da barreira cultura organizacional é a obrigatoriedade, dada pelo Comando do Exército, para a existência nas organizações militares de um SMD.
O respondente, quando perguntado qual o fator que mais influenciou negativamente a implantação, disse que foi o medo de exposição dos indivíduos. Essa barreira é classificada como frustradora. Mas, na implementação em estudo, ela também agiu como confundidora, isso, provavelmente, pelas mesmas razões que alteraram a influência do fator cultura organizacional.
A quase inexistência de capacitação, revelada pelo assessor, é uma barreira do tipo retardadora. Este fator pode ter contribuído para a existência, manutenção e/ou aumento das demais barreiras. O estudo de Neely et al. (2000) cita que o treinamento é uma etapa para a institucionalização de um SMD, tornando-se crucial para o sucesso da implementação (Alcântara et al., 2015).
A falta de integração do SMDO também é do tipo retardadora. Problemas com a coleta de dados dos indicadores também foi uma barreira encontrada no estudo de Kasurinen (2002). Não foi relatada como importante pelo assessor e nem citada pelo respondente, diferentemente da definição dada pelo estudo de Figueiredo et al. (2005).
Período de junho 2013 aos dias atuais
A falta de capacitação tem atuado nessa fase como retardadora. O assessor declarou que estão sendo preparados os documentos oficiais para disseminação no âmbito da 3ª RM, os quais regularão sobre os participantes, as datas e locais dos treinamentos a serem realizados ao longo do ano de 2016. Esses treinamentos serão em número de cinco ao longo do ano, com a finalidade de chegar à meta de 60% do BSC implantado nas OMDS, conforme objetivo estratégico 4 (OE4) – ampliar práticas inovadoras em gestão - expresso no plano de gestão (PG 2015-18). A capacitação do pessoal contribui com a sensibilização e a motivação das pessoas, auxiliando no êxito do alcance da meta (Alcântara et al., 2015).
A falta de integração dos sistemas atua como retardadora nesse projeto. O respondente cita que os sistemas, para funcionarem adequadamente, deveriam captar de maneira automática os dados. O SMD é um sistema de informação do processo de gestão da organização e deve receber as informações dos demais sistemas, agregá-las e ter como saídas informações relevantes para o processo decisório, sendo esta uma característica importante para um SMD (Figueiredo et al., 2005).
Referências bibliográficas: Alcântara, C., Gramacho, M., Mascarenhas, M., & Sampaio, F. (2015). Direito e tecnologia de gestão: antagonistas ou aliados? A experiência da Procuradoria-Geral do Estado da Bahia. Anais do Congresso de Gestão Pública - CONSAD, Brasília, DF.
Bilar, A. B. C., Moura, F. F. da S. (2014). O desafio da implementação de uma metodologia típíca do modelo gerencial de gestão pública em uma instituição centenária e burocrática. Revista de Mestrados Profissionais da Universidade Federal de Pernambuco, 3(2), 89-119.
Fryszman, M. M. (2015). Cultura organizacional e gestão por resultados na administração pública: o caso da prefeitura do Município de Osasco. Dissertação de mestrado. Escola de Administração de Empresas de São Paulo – Fundação Getúlio Vargas. São Paulo, SP, Brasil.
Kaplan, R. S., & Norton, D. P. (1997). Estratégia em ação: balanced scorecard. Rio de Janeiro: Elsevier.
Kasurinen, T. (2002). Exploring management accounting change: the case of balanced scorecard implementation. Management accounting research, 13(3), 323-343.
Mouritsen, J. (2005). Beyond accounting change: design and mobilisation of management control systems. Journal of Accounting & Organizational Change, 1(1), 97-113.
Neely, A., Milss, J., Platts, K., Richards, H., Gregory, M., Bourne, M., & Kennerley, M. (2000). Performance measurement system design: developing and testing a process based approach. International Journal of Operations & Production Management, 20(10), 1119-1145.
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