Resumo: Propósito do Trabalho: O International Accounting Standards Board (IASB) desenvolve normas internacionais de contabilidade com o objetivo de unificar os mercados de capitais sob uma linguagem global de comunicação (Ball, 2006). A adoção de normas contábeis internacionais provém da perspectiva de que a harmonização contábil internacional resulta em apresentação de Demonstrações Contábeis (DCs) com maior qualidade e transparência. Da mesma forma, a redução no risco de divulgação de informações assimétricas aumenta o grau de comparabilidade com empresas do mesmo setor.
Ramanna & Sletten (2009) argumentam que em países onde a qualidade das instituições de governança local é relativamente alta, adoção das IFRS tende a ser menos atraente, uma vez que seu ambiente regulatório é estável. Em contraste, em países cujas instituições de governança locais não estão bem desenvolvidas, os custos decorrentes da mudança nas normas tendem a ser menores, o que torna a convergência mais atrativa.
Além disso, Bertoni & Rosa (2010) reconhecem a importância da origem e do sistema legal dos países no que concerne à adoção das normas. Os autores argumentam que o enquadramento do IASB se encontra mais alinhado aos sistemas contabilísticos de países common law, onde existe pouca ou nenhuma relação entre a contabilidade financeira e a contabilidade fiscal.
Diante desse contexto, tem-se a pergunta de pesquisa que orienta o presente artigo: qual a associação entre qualidade da governança e sistema legal com a adoção das IFRS e da IFRS for SMEs entre países? Para responder à questão-problema, tem-se por objetivo verificar a associação entre a qualidade da governança e o sistema legal com a adoção das IFRS e da IFRS for SMEs entre países.
Base da plataforma teórica: As Normas Internacionais de Contabilidade, também conhecidas como International Financial Reporting Standards (IFRS), passaram a ser adotadas no Brasil a partir de 2008, Alinhavam-se, as Demonstrações Contábeis (DCs) brasileiras ao padrão internacional instituído pelo International Accounting Standards Board (IASB). Evidências empíricas acerca dos benefícios inerentes à convergência tem sido buscadas pela literatura (Daske, 2006).
Entre os benefícios levantados, tem-se que os relatórios financeiros tornam-se mais transparentes porque as IFRS se baseiam em requisitos adicionais de divulgação (Daske, 2006). Melhoria na comparabilidade das DCs também foi um aspecto levantado por Brown (2011), embora persistam diferenças a nível de país. O autor também destaca como aspectos positivos a redução no custo de capital e a qualidade dos relatórios contábeis, que em geral, melhorou.
Redução na assimetria de informação e melhora na eficiência dos mercados de capitais também são reflexos positivos relacionados às normas, como argumentam Ahmed, Chalmers & Khlif (2013). Todavia, os autores também destacam impedimentos que podem conter a realização de tais benefícios, tais como barreiras de comunicação e de interpretação, admissão e incentivo a tratamentos contábeis alternativos, e diferenças entre regimes institucionais e legais que podem impactar o cumprimento e a aplicação da IFRS.
Um risco associado a tais impedimentos pode ser, por exemplo, a adoção das normas apenas como cumprimento de exigências formais, não representando uma convergência de fato. Este risco tem sido analisado em pesquisas especialmente voltadas à International Financial Reporting Standard for Small and Medium-sized Entities (IFRS for SMEs) (Carmo, Ribeiro & Carvalho, 2011).
O propósito inerente à IFRS for SMEs segue a linha das normas internacionais completas (full IFRS): qualidade e comparabilidade de informações a nível mundial. O que muda são as organizações a cuja norma se destina: empresas que não tenham capital aberto em bolsas e que não se caracterizem como instituições financeiras.
A IFRS for SMEs se trata de uma versão simplificada das full IFRS voltada às pequenas e médias empresas (PMEs). Quanto aos benefícios, o IASB acredita que a adoção da IFRS for SMEs possivelmente favorece as pequenas e médias empresas (PMEs) no acesso ao financiamento internacional por meio de informações financeiras de elevada qualidade.
Contudo, este movimento em direção à convergência das IFRS para PMEs ainda parece ser controverso. As PMEs, apesar de sua importância econômica, possuem natureza heterogênea. Enquanto companhias abertas se enquadram em determinados padrões que as permitem participar de mercados abertos, PMEs não possuem objetivo de buscar capital acionário, e desta forma, possuem diferenças significativas em relação a empresas listadas no mercado de capitais. Assim, uma mera simplificação de normas direcionadas a empresas de maior complexidade pode não ser suficiente para uma adoção pelas PMEs.
Apesar disso, Pacter (2015) destaca que 69 de 138 jurisdições (50%) adotaram a IFRS for SMEs, e que 15 países apresentaram interesse em adotá-los. Tal fato indica uma disposição à convergência em nível mundial.
Método de investigação: A amostra consiste em um conjunto de países cujas informações estão disponíveis no sítio eletrônico do International Accounting Standards Board (IASB) e em levantamento da IFRS Foundation, (“IFRS as global standards: a pocket guide”).
Os dados referentes à qualidade de governança estão disponíveis em uma base de dados denominada WorldWide Governance Indicators (WGI), disponibilizado pelo The World Bank, onde é apresentado um total de seis indicadores que capturam diferentes dimensões da governança: voz e responsabilidade, estabilidade política, efetividade da governança, qualidade regulatória, estado de direito e controle da corrupção. Os indicadores apresentados pela Instituição compreendem o período de 1996 a 2013, e variam de -2,5 (fraca qualidade) a +2,5 (forte qualidade). Nesta pesquisa, foram coletados os indicadores referentes ao ano de 2013, por ser o ano com a publicação mais recente dos indicadores até o momento da pesquisa.
Quanto ao sistema legal, as informações referentes ao enquadramento jurídico dos países foram obtidas por meio de documento denominado The World FactBook, disponibilizado pela Central Intelligence Agency (CIA).
Com vistas a responder o problema de pesquisa, segregaram-se os países em 4 (quatro) categorias: adotam as normas completas (full IFRS) juntamente com a IFRS for SMEs; países que adotam apenas full IFRS; países que adotam apenas IFRS for SMEs; e países que não adotam nenhuma das duas normas internacionais.
Para os procedimentos estatísticos, utilizou-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis para identificar se há diferenças nas distribuições amostrais entre os países que adotam as full IFRS juntamente com a IFRS for SMEs, e países enquadrados nas demais categorias. Na sequência, a estatística de qui-quadrado (?²) e a técnica de interdependência denominada como análise de correspondência (ANACOR) foram aplicadas para para a análise de associação entre as variáveis.
Em relação ao sistema legal, adotaram-se o ?² e a ANACOR para verificação de associação entre adoção das normas internacionais e a oganização jurídica dos países. A técnica de análise de correspondência múltipla (ACM), também conhecida como análise de homogeneidade (HOMALS), foi utilizada para demonstrar associações antre as três variáveis simultaneamente.
Resultados, conclusões e suas implicações: Com base no teste de Kruskal-Wallis, observa-se que existem diferenças nas distribuições amostrais. O teste rejeita a hipótese nula de igualdade de distribuições a 1% de significância, permitindo inferir que há diferenças na média dos indicadores de qualidade da governança para cada uma das quatro categorias de adoção.
Os postos de média permitem um ordenamento em ranking entre o valor dos indicadores e a adoção das normas internacionais. Países que adotam apenas full IFRS apresentaram o maior valor entre os postos (86,51) o que indica que os indicadores com maiores valores pertencem a esta categoria. Da mesma forma, países que adotam apenas IFRS for SMEs ou que não adotam nenhuma norma internacional apresentaram os valores mais baixos nos postos, indicando que os menores valores dos indicadores estão relacionados a estas duas características.
Dessa forma, países que adotam apenas as full IFRS apresentam-se mais associados a indicadores de forte governança. Por sua vez, países que adotam apenas IFRS for SMEs ou que não adotam nenhuma norma internacional possuem maior associação com fraca governança. Por conseguinte, indicadores de governança moderada estão mais associados a com países que adotam ambas as normas internacionais.
Tais resultados vão de encontro a pesquisa de Ramanna & Sletten (2009), que relatam uma relação negativa entre a adoção das full IFRS e a estrutura de governança, dados os custos inerentes à convergência. Tais diferenças podem ser explicadas pelo aumento no número de países que aceitaram a harmonização contábil internacional a cada ano, de forma que nações desenvolvidas podem considerar benéfico um conjunto único de normas internacionais.
No que concerne ao sistema legal dos países, a estatística do teste ?² apresentou valor de 22,753, com significância a 1% (p-valor = 0,001), rejeitando a hipótese nula de independência entre as variáveis e admitindo a existência de associação entre a adoção das normas internacionais e o sistema legal dos países. Com base na ANACOR, é possível observar que países de sistema civil law estão mais associados à adoção de uma das duas normas contábeis internacionais, mas não das duas simultaneamente. A adoção das duas normas conjuntas possui associação com os demais sistemas legais (common law e mixed law). Contudo, dadas as distâncias entre os pontos, constata-se que a associação é mais forte entre países de mixed law.
Kaya & Koch (2015) constataram que países de common law possuem maior tendência em adotar a IFRS for SMEs. O mapa indica um distanciamento entre este sistema e países que adotam apenas IFRS for SMEs, mas demonstra uma maior aproximação com países que adotam tanto as full IFRS como a IFRS for SMEs. Todavia, ressalta-se que Kaya & Koch (2015) segregaram os sistemas legais dos países em common law e code law, categorização diferente da adotada nesta pesquisa.
A técnica de análise de correspondência múltipla permite averiguar que o sistema legal e a qualidade da governança também são variáveis associadas. A qualidade da governança se difere em relação a países que adotam os dois tipos de normas, apenas um ou que não adotam normas internacionais. A adoção das full IFRS e da IFRS for SMEs está associada e países de qualidade de governança moderada. Tal confirmação possui alinhamento à literatura existente sobre o tema, segundo a qual as normas internacionais são mais atraentes em países que não possuem uma governança bem consolidada ou que buscam melhores posicionamentos no mercado internacional.
Referências bibliográficas: Ball, R. (2001). Infrastructure requirements for an economically efficient system of public financial reporting and disclosure. Brookings-Wharton Papers on Financial Services, p. 127–169.
Ramanna, K., & Sletten, E. (2009). Why do countries adopt International Financial Reporting Standards? [Working Paper n. 09-102] Harvard University and Boston College.
Daske, H. (2006). Economic benefits of adopting IFRS or US-GAAP: Have the expected cost of equity capital really decreased? Journal of Business Finance & Accounting, v. 33, p. 329–373.
Brown, P. (2011). International financial reporting standards: What are the benefits? Accounting and Business Research, v. 41(3), 269–285.
Ahmed, K. Chalmers, K., & Khlif, H. (2013). A Meta-analysis of IFRS Adoption Effects. The International Journal of Accounting, v. 48, p. 173–217.
Carmo, C. H. S., Ribeiro, A. M., & Carvalho, L. N. G. (2011). Convergência de fato ou de direito? A influência do sistema jurídico na aceitação das normas internacionais para pequenas e médias empresas. Revista Contabilidade e Finanças (USP), v. 22, n. 57, p. 242-262.
Pacter, P. IFRS as global standards: a pocket guide. London: IFRS Foundation, 2015. Available in: . Access in: 21 apr. 2015.
Kaya, D., & Koch, M. (2015). Countries’ adoption of the International Financial Reporting Standard for Small and Mediumsized Entities (IFRS for SMEs) – early empirical evidence. Accounting and Business Research, v. 45, Issue 1.
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