Resumo: Propósito do Trabalho: Recente chamada da revista Public Money & Managament reforçou a necessidade de estudos relacionados ao uso da informação contábil por políticos, buscando entender obstáculos e oportunidades do uso (PMM, 2015). Contudo, o foco da chamada é essencialmente no executor de políticas públicas, ou seja, no poder executivo. Existe restrita pesquisa em administração pública que trate de colegiados legislativos em governos locais (local governing bodies, city council, commission, ou legislature municipal) (Gabris & Nelson, 2013). Ainda, a literatura não cobre o uso da informação contábil pelo legislador, ou quanto parlamentares, em governos centrais ou locais os mesmos teriam suas preferências informacionais afetadas pela mudança do regime de caixa para o de competência. A informação contábil contudo está intimamente presente no controle legislativo, e compõe a análise das propostas de leis orçamentárias enviadas à Câmara e a análise da execução orçamentária, entre outras questões. No Brasil, cabe às câmaras municipais apreciar o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias, e o orçamento anual, propor emendas a estes, acompanhar a execução do orçamento, e fiscalizar e julgar as contas do prefeito, com apoio do parecer do Tribunal de Contas (TCE). Como a legislação brasileira não impõe qualquer restrição de conhecimento técnico à elegibilidade para vereador, o apoio ao voto viria dos relatórios das Comissão de Orçamento e Finanças (COF), inclusive a respeito do parecer prévio do TCE. O presente artigo teve como objetivo analisar a atuação da COF nas câmaras de vereadores, e a sua interação com os vereadores em questões fiscais e orçamentárias. Ainda, procurou entender a contribuição da COF na minoração da falta de conhecimento de contabilidade dos vereadores.
Base da plataforma teórica: O uso da informação contábil por políticos e gestores públicos ganhou recente atenção na literatura com a convergência das normas contábeis aplicadas ao setor público para padrões internacionais (ex. International Public Sector Accounting Standards, IPSAS) em diversos países. Um dos pontos debatidos é a preferência por regime de competência ou de caixa (Liguori, Sicilia, Steccolini, 2009), e os incentivos de políticos e gestores para uso da informação contábil. A adoção da contabilidade passou a ser questionada (Carlin, 2006; Liguori, Sicilia, Steccolini,2012). Governos são pressionados a adotar padrões originados no setor privado. Mesmo com o aumento do número de países que adotaram o padrão, não há evidências da eficácia desse sistema, e a utilidade da informação para políticos e gestores está sendo questionada (Hodges & Mellet, 2003).
Para o funcionamento de qualquer reforma de orçamento, e de forma geral do ciclo PFM, o apoio do legislativo é fundamental, não apenas na aprovação da reforma, mas na atuação dentro do mecanismo. A literatura de ciências políticas parece chegar em um consenso de que o controle legislativo, uma das formas de accountability horizontal (O’Donnel, 2000), não é efetivo em alguns sistemas presidencialistas, por exemplo na América Latina, pois dependeria do efeito da accountability vertical que é fraca. Este consenso sempre se refere a governos centrais, mas não deve ser diferente em governos locais e regionais. Ainda, enquanto o executivo está sujeito à fiscalizado pelo legislativo, dado que accountability vertical é fraca, sobretudo no período intermediário dos mandatos, os vereadores são fiscalizados por quem? (Gabris & Nelson, 2013).
No controle legislativo um importante mecanismo de condução do processo legislativo é a atuação das comissões parlamentares. Contudo, apesar do claro papel de fiscalização do legislativo, que induz disciplina fiscal e reduz corrupção, pouca atenção tem sido dada no papel destas comissões (Wehner, 2007), e ao impacto da organização da função legislativa em políticas fiscais (Wehner, 2007). Exceção é estudo de Crain e Muris (1995) que discute o impacto da estrutura dos comitês. Para decisões de alocação de orçamento por exemplo, para evitar que cada grupo de interesse aumente as despesas na sua área, gerando um efeito free-rider, e piorando a disciplina fiscal, a solução tem sido responsabilizar um comitê que deve entregar uma proposta única para ser votada.
Por fim, em geral os modelos mais conhecidos de funcionamento das comissões legislativas, assume a emissão de relatórios técnicos ou pareceres por tais comissões, para instrumentalizar o voto do parlamentar. A questão de instrumentalizar o voto é o quanto uma opinião qualificada pode contribuir para a escolha do parlamentar em uma questão orçamentária e fiscal. Sabatier & Whiteman (1985), baseados na literatura de escolhas por voto, apresentam que uma das fontes de informação ao legislador são as dicas dos colegas especialistas que são de sua confiança, que em geral são o presidente ou membro seniores das comissões. A mesma literatura distingue “informação política” de “informação para políticas públicas”, sendo a segunda a informação técnica que propõe alternativas, que tratam e discutem os impactos na sociedade. Esta seria a natureza da informação do parecer das comissões permanentes.
Método de investigação: Foram realizados estudos de casos múltiplos em 3 câmaras municipais nas cidades de Ribeirão Preto/SP, Araraquara/SP e Uberaba/MG. Os municípios escolhidos possuem propositadamente diferentes portes, de 200 a 600 mil habitantes, forte presença universitária, e atividade industrial e de serviços na economia. Nos 3 casos pode-se dizer que são importantes centros de serviços, logístico ou comercial na região. Enquanto Araraquara tem maior proximidade e intercâmbio econômico com Ribeirão Preto, pela proximidade logística, Uberaba tem características próprias do Triangulo Mineiro. A dinâmica econômica e a interação política entre os casos não são relevantes e não afetam o resultado do estudo, conquanto é natural que façamos aqui algumas observações de contexto.
A Câmara enquanto organização do setor público opera em torno da rotina das sessões plenárias, comissões específicas, ou seja, em torno da dinâmica legislativa e de seus vereadores.
As Comissões de Orçamento e Finanças (COF) dos 3 casos são análogas, são definidas na lei orgânica dos municípios (LOM), a qual também prevê que a composição das comissões coincide com o ciclo da presidência da câmara. Contudo, as atribuições da Câmara são colocadas de forma ampla na LOM, a organização e o funcionamento detalhados da casa serão especificados no Regimento Interno da Câmara.
Foram analisados documentos de normatização das câmaras, quanto à regulação das comissões. Em seguida realizadas 14 entrevistas, sendo 9 vereadores, 2 assessores, 3 servidores (controladora geral da câmara e diretor do departamento legislativo). Entre os vereadores foram contemplados diversos níveis de escolaridade, mas todos assessores e servidores entrevistados tinham nível superior completo. Entre os vereadores entrevistados estão membros e presidentes das COFs dos 3 casos. A seleção dos entrevistados foi por disponibilidade em participar da pesquisa. Foram enviados convites para participação a todos os vereadores do atual mandato (2012-2016) dos 3 municípios, extensivos aos seus assessores e demais funcionários das câmaras. As entrevistas buscaram cobrir duas frentes: (i) atuação da COF e o seu subsídio para os demais vereadores, visando o controle legislativo; (ii) condição dos demais vereadores, dada a sua percepção, de utilizarem-se do parecer da COF buscando também o controle legislativo.
Resultados, conclusões e suas implicações: O controle legislativo é dado em última instância pelo voto no plenário da Câmara, que é resultando da obtenção da maioria simples ou qualificada dos votos dos vereadores. O vereador, ao dar seu voto, irá fazê-lo segundo sua preferência, seja ela orientada por apoio/oposição política ao executivo dada coligação partidária, orientada pela busca do interesse público, ou por outras razões individuais. Se o conjunto de vereadores não é exposto ao impacto social e econômico da matéria em questão, o debate se restringe ao aspecto político e à toda sorte de interpretações e distorções dos fatos associados. Assim, a instrumentalização do voto pode trazer resultados positivos ao controle legislativo. Sobretudo se as matérias fiscais e orçamentárias foram também acompanhadas pela imprensa local e população, para que possam gerar custo político (accountability vertical) ao vereador.
Para tanto o parecer da COF tem função fundamental neste ponto, que é agregar ao conteúdo dos projetos de lei (PPA, LDO e LOA), relatórios de execução orçamentária e Parecer Prévio da prestação de contas anual, um juízo de valor a respeito da discussão dos impactos políticos, sociais e econômicos envolvidos em cada proposição fiscal e orçamentária. Sem um parecer claro da COF, cada vereador deverá tratar por si só de extrair das proposições que entram em pauta do plenário sua própria interpretação. Neste caso, a formação anterior do vereador ou sua assessoria serão fatores determinantes para o exercício do voto. Como identificado, a formação técnica ou assessoria especializada não fazem parte da realidade das câmaras municipais. Portanto, o parecer da COF deveria ser tanto uma base para o voto do vereador, quanto alvo de transparência por constituir no elemento que irá instruir o voto. O mesmo deveria ser sempre colocado, e da forma mais clara possível, pois não se espera formação técnica dos vereadores na Câmara. O fato de não haver um parecer disponível e com informação clara, faz com que não exista qualquer objeto materialmente identificado para ser debatido, o que deixa na mão do vereador a tarefa de identificar no conjunto de informações fiscais e orçamentárias os desvios legais de uma complexa malha legislativa. A realidade captada nas câmaras observadas, mostra que o vereador não conta com a atuação das COFs para subsidiar sua decisão, pois a atuação é timidamente presente.
Assim, reforça-se a hipótese de que políticos do legislativo não são sensíveis à informação contábil, e não a consideram no processo legislativo de fiscalização, seja na execução orçamentária, ou na análise do parecer prévio do Tribunal de Contas. O que confirma a literatura de uso da informação contábil por político, e estende a questão para o legislativo. Ainda, a ausência da atuação da COF levanta o risco de que o processo de accountability horizontal esteja claramente comprometido. Nestas condições, o controle legislativo quando acontece é uma exceção, e não a regra. Dependeria de iniciativas isoladas de vereadores bem capacitados, ou câmaras mais estruturadas com COFs atuantes.
Tais resultados poderiam ser discutidos de forma associada às iniciativas de desenvolvimento do controle externo e social. Deixa-se o alerta para as pesquisas em contabilidade governamental, e reformas em contabilidade pública no Brasil e em países em desenvolvimento. Em geral discute-se que a dificuldade de implantação de reformas está na capacitação da burocracia para gerar informação contábil e elaborar demonstrações. De forma mais ampla, considerando o controle legislativo, o “gargalo” de todo processo pode estar na capacitação do legislativo local, que em última instância impõe o custo político às irregularidades fiscais da gestão. Assim, políticas de melhoria da qualidade da informação contábil, sem desenvolvimento institucional e capacitação das câmaras, pode ser mais um caso de fracasso de reformas no ciclo PFM.
Referências bibliográficas: Carlin, T.M. (2006). Debating the Impact of Accrual Accounting and Reporting in the Public Sector, Financial Accountability and Management, 21(3), 0267-4424.
Crain, M.W. and Muris, T.J. (1995) Legislative organization of fiscal policy. Journal of Law and Economics 38 (2): 311 –33.
Gabris, G. T., & Nelson, K. L. (2013). Transforming Municipal Boards into Accountable, High-Performing Teams: Toward a Diagnostic Model of Governing Board Effectiveness. Public Performance & Management Review, 36(3), 472–495.
Hodges, R., & Mellet, H. (2003). Reporting public sector financial results. Public Management Review, 5(1), 99-113.
Liguori, M.; Sicilia, M.; Steccolini, I. (2012). Some Like it Non-Financial ... . Public Management Review, 14:7, 903-922.
O'Donnell, G. (2000), Further thoughts on Horizontal Accountability. Trabalho apresentado no seminário Institutions, Accountability, and Democratic Governance in Latin America. Kellogg Institute for International Studies/University of Notre Dame, Notre Dame.
Sabatier, P., & Whiteman, D. (1985). Legislative Decision Making and Substantive Policy Information: Models of Information Flow. Legislative Studies Quarterly, 10 (3), 395–421.
Wehner, J. (2007) Budget reform and legislative control in Sweden. Journal of European Public Policy, 14:2, 313-332.
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