Resumo: Propsito do Trabalho: No final de 2014, forado por elevado e crescente dficit na previdncia social, o governo federal editou a Medida Provisria 664/2014, que fazia vrias alteraes nas penses por morte do Regime Geral de Previdncia Social (RGPS) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Dentre as mudanas mais importantes estavam a reduo no valor do benefcio, condicionado ao nmero de dependentes e a limitao do perodo de recebimento, com base na expectativa de vida do cnjuge. A medida foi efetivada com a promulgao da Lei 13.135/2015. Porm houve uma reduo na efetividade da medida, com atenuao das restries idealizadas na medida provisria. Com base neste quadro, este trabalho visa calcular o impacto dessas medidas, com o emprego de dois indicadores previdencirios, a Taxa de Reposio e a Alquota de Contribuio Necessria. Os clculos so feitos para trs condies: a regra que vigorava at 2014 (Regra Antiga), para a situao que ocorreria se a MP 664 houvesse sido aprovada e para a situao vigente aps a Lei 13.135. Com este fim, foi construdo um modelo atuarial simples, em que so analisados 20 perfis de casais representativos, formados por distintas idades de aposentadoria (de 57 a 69 anos) e diferenas de idade entre os cnjuges (de 0 a 20 anos). Desta forma, possvel calcular os impactos das alteraes nas penses para diferentes arranjos familiares e decises de aposentadoria.
Base da plataforma terica: Um sistema previdencirio tem como funo bsica o pagamento de benefcios de forma continuada aos trabalhadores que deixam o mercado de trabalho, como forma de manter seu padro de consumo, ainda que de forma parcial, quando de sua aposentadoria. Usualmente o recebimento dos benefcios est condicionado ao pagamento anterior de contribuies previdencirias, incidentes sobre a renda dos trabalhadores.
Diamond (1977, p. 278) aponta quatro motivos para a existncia de um sistema previdencirio: aumentar a receita tributria, corrigir falhas de mercado, paternalismo e proporcionar redistribuio de renda. De forma complementar, segundo Barr & Diamond (2006) a previdncia social desempenha funes importantes para a sociedade. A previdncia um mecanismo de suavizao de renda e consumo, uma vez que leva os indivduos a transferirem, de forma compulsria, recursos que poderiam ser utilizados no presente para serem usados no futuro, durante o perodo de inatividade. Ou seja, est tica est ligada a benefcios tipicamente programveis, como as aposentadorias, seja por tempo de contribuio ou idade. Outra funo servir como um mecanismo de seguro, uma vez que a previdncia fornece uma garantia financeira ao participante de que ele ter uma renda no s para a aposentadoria, mas tambm em caso de um acidente, por exemplo. Desta maneira, esta tica tem correspondncia aos benefcios de risco, associados a eventos no programveis, como acidentes e invalidez. A terceira tica que a previdncia serve com um mecanismo de reduo da pobreza e de redistribuio de renda. Tipicamente os benefcios no-previdencirios, de carter assistencial esto abarcados por este enfoque.
Apesar da relevncia do tema, poucos trabalhos focaram as questes conceituais referentes s penses. Uma das raras excees James (2009). A autora aponta que cinco motivos justificam a existncia de penses por morte nos sistemas previdencirios pblicos. O primeiro so as falhas de mercado do lado da demanda. Ou seja, pode no ter havido (por motivos como miopia) demanda suficiente por esse produto. O segundo motivo est ligado s economias de escala no escopo do domiclio. O terceiro motivo est ligado a falhas de mercado do lado da oferta, dado que as empresas podem no ter interesse em ofertar esse tipo de produto. O quarto motivo a correo de distores e desigualdades nas aposentadorias nos sistemas pblicos. Finalmente, o ltimo motivo est ligado s mudanas demogrficas e s caractersticas do mercado de trabalho.
Grosso modo, classifica-se a literatura sobre previdncia em duas grandes linhas. A primeira linha pode ser classificada como fiscalista. Os trabalhos tm como foco os grandes agregados. O objetivo calcular receitas e despesas; fazer previses de curto e longo prazo; realizar avaliaes atuariais e analisar questes ligadas solvncia e sustentabilidade intertemporal dos regimes previdencirios (Plamondon et al., 2002, cap. 2). A segunda linha distributivista. O objeto so os indivduos. Visa-se mensurar os impactos que os sistemas previdencirios tm sobre indivduos com diferentes caractersticas. Este a linha adotada por este trabalho.
Mtodo de investigao: O ponto central a construo de um modelo que serve para o clculo dos fluxos de renda e de benefcios previdencirios. Para tal fim so utilizadas anuidades, uma ferramenta padro nas cincias atuariais. So utilizados dois tipos de anuidades, escritas na forma de comutaes: vitalcia e temporria. O primeiro tipo refere-se ao recebimento vitalcio da penso por morte, como acontecia com a Regra Antiga. Por sua vez, a anuidade temporria, prev o recebimento do benefcio por um perodo limitado pelas caractersticas legais, conforme dado pela nova legislao. Emprega-se aqui a notao atuarial usual, apresentada em textos como Bowers Jr, Gerber, Hickman, Jones, & Nesbitt (1997) e Parmenter (1999).
A etapa seguinte calcular, para cada arranjo familiar, a estimativa de benefcios a receber, considerando as diferentes idades do segurado e de seu cnjuge, de acordo com trs situaes: a regra antiga, a regra que vigoraria se a MP tivesse sido aprovada e a regra vigente aps a Lei 13.135. Para calcular os valores associados s regras da MP (50% do Salrio de Benefcio) emprega-se uma anuidade temporria. Por ltimo, para os termos da Lei n 13.135 emprega-se uma anuidade temporria, em que a durao do benefcio dada pelas diferenas de idades listadas na Tabela 4. Neste caso, o valor da penso igual ao da aposentadoria.
Como o objetivo do estudo calcular o impacto das alteraes na legislao referente s penses por morte, foram construdos 20 perfis de casais representativos. Esses perfis foram construdos com a combinao de quatro idades de aposentadoria do segurado (57, 61, 65 e 69 anos) e cinco diferenas de idade para o cnjuge (0, 5, 10, 15 e 20 anos). A diferena de idade a principal varivel de interesse, uma vez que a principal mudana foi com relao ao tempo de recebimento da penso por cnjuges muito novas.
O modelo calibrado de acordo com os parmetros (regras de contribuio, condies de elegibilidade, valor e durao do benefcio) dados pela Regra Antiga, pela MPV 664 e pela Lei 13.135. Tambm foram adotadas premissas atuariais e econmicas usuais em modelos atuariais na rea de previdncia, como taxa de crescimento da renda, taxa de desconto, idade de incio do perodo contributivo e perfil demogrfico.
Resultados, concluses e suas implicaes: Este trabalho teve como objetivo mensurar qual o impacto das mudanas propostas pelo governo para as regras da penso por morte do RGPS. Com este fim foram calculados indicadores previdencirios para alguns perfis de casais representativo, para a Regra Antiga, para as condies da MP 664/2014 e para a Lei 13.135/2015, que acabou entrando efetivamente em vigor. Os clculos foram feitos com o emprego de um modelo atuarial simples.
Os resultados so similares queles reportados por Freire & Afonso (2015), para o caso de no haver mudanas nas regras. O que mais chama a ateno a perda de impacto das medidas de reforma nas penses. Se a MP 664 houvesse sido aprovada, a alquota necessria seria muito baixa, o que uma forte evidncia de que o sistema, ao menos no que se refere s penses, nas condies analisadas, estaria muito mais perto da justia atuarial e, por consequncia, do equilbrio fiscal almejado. Entretanto as modificaes inseridas no texto da Lei 13.135 reduziram tanto o impacto desta medida (ou seja, houve aumento nas alquotas necessrias) que para a maioria dos perfis estudados, voltou-se inadequada situao vigente na Regra Antiga.
Esta uma evidncia clara que polticas pblicas devem ser avaliadas e quantificadas com cuidado antes de serem submetidas ao necessrio escrutnio do Legislativo. Mudanas aparentemente reduzidas (como o caso da reverso de 100% para o cnjuge, ao invs dos 50% inicialmente previstos) podem ter grande magnitude e afetar diversas geraes em momentos distintos do tempo. Cabe assinalar que a MP 664 foi proposta ainda no final do primeiro mandato de Dilma Rousseff, quando o governo ainda dispunha de algum capital poltico ps-reeleio. Nesta situao, talvez ainda pudesse ter empreendido esforos para aprovar rapidamente a MP como foi proposta. Como isto no ocorreu e o governo viu-se pelas circunstncias e pela rpida deteriorao do quadro poltico e da governabilidade, fica-se com a impresso que mais uma vez o pas perdeu uma oportunidade de reduzir parcela dos desequilbrios existentes em nosso sistema previdencirio.
Como este um estudo exploratrio, h vrias possibilidades de aprimoramento e expanso. Dentre as possibilidades pode ser citada a expanso para o caso em que o casal tem filhos, situao que no foi analisada aqui. Tambm poderia ser estudado o caso em que o segurado no completou o tempo mnimo de contribuio, ou seja, a situao em que o trabalhador veio a falecer ou se invalidar durante a sua vida ativa. Da mesma forma, seria importante calcular os impactos fiscais da Lei 13.135 para verificar o impacto ao longo dos anos, para diferentes geraes. Certamente estudos dessa natureza lanariam luzes sobre esta questo to relevante para as finanas pblicas do pas. Ester seria, sem dvidas, um importante subsdio aos formuladores de polticas pblicas na rea previdenciria.
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