Resumo: Propsito do Trabalho: Na administrao pblica, observa-se o setor do ensino e, em particular, o superior, como atividade estratgica para a sociedade e como instrumento destinado formao do fator produtivo trabalho para a economia. Existe tambm a expectativa social, contextualizada no movimento Nova Gesto Pblica (NGP), para um sistema educativo pblico independente e transparente na sua gesto, que pode oferecer sociedade condies de uma reflexo crtica sobre o andamento do governo dessas organizaes (Galbraith, 1985). Sabemos, no entanto, que no Brasil existe um grande desafio nas organizaes de estabelecer uma cultura poltica que crie mecanismos e prticas que promovam a sensibilizao e o envolvimento do cidado a exercer uma efetiva participao e controle social, e no apenas como participao simblica nas instituies (Sediyama, Anjos, Reis e Cassimiro, 2014).
Neste sentido, importante referir que, aps a redemocratizao brasileira iniciada a partir de 1985, houve um surgimento de vrias expresses associadas ao tema da administrao pblica, tais como democracia, participao popular, controle social e a prpria accountability, que passaram a figurar como jarges legitimadores de aes pblicas, mesmo que essas orientaes no sejam aplicadas na prtica das instituies (Medeiros, Crantschaninov e Silva, 2013).
Sendo assim, e com os temas da NGP e do ensino pblico superior como pano de fundo, temos o objetivo de analisar a implementao das orientaes do movimento da NGP nas universidades pblicas federais, por forma a refletir sobre a questo: como so implementadas as orientaes do movimento da NGP nas universidades pblicas federais?
Base da plataforma terica: A NGP um movimento que surgiu nos Estados Unidos da Amrica e no Reino Unido, propagando-se gradativamente a diversos pases. A estagnao econmica, a mediocridade do desempenho dos servios pblicos, a ausncia de prestao de contas da administrao pblica (Tolofari, 2005) e as restries oramentais que se tm vindo a colocar foram os principais aspetos que serviram de fora motriz para a necessidade das reformas introduzidas pela NGP.
As consideraes de defesa pelas mudanas trazidas pela NGP baseavam-se, essencialmente, num conjunto de argumentos tidos como verdadeiros e incontestveis, tais como a alegao de que os nveis da despesa pblica eram insustentveis e de que a gesto privada era mais dinmica e eficiente do que a gesto pblica. Neste contexto, a orientao para o mercado e a descentralizao da administrao pblica surgem como orientao do movimento da NGP, cuja justificao reside na convico de que haveria aumento da eficincia e tornaria os servios mais acessveis e transparentes para os utilizadores (Carvalho, 2009).
A NGP contextualizada teoricamente, sobretudo, nas premissas das teorias da escolha pblica custos econmicos de transao e da agncia, conjugadas com um pensamento coletivo de que os servios pblicos devem ser organizados e eficientes para satisfazer as necessidades dos cidados (Tolofari, 2005). A NGP assenta igualmente na ideia da diminuio ou remoo das diferenas existentes entre o setor pblico e o privado e na ideia de que deve existir uma modificao da responsabilidade da administrao pblica. A concepo foi alimentada pela nfase dada prestao de contas da administrao pblica como um componente da responsabilidade em termos de resultados. Assim, identifica-se a contabilidade como um elemento essencial no processo de prestao de contas, refletindo a confiana das tcnicas e dos instrumentos de gesto utilizados no setor privado e que foram adotadas no setor pblico (Hood, 1995).
No Brasil, Pinho e Sacramento (2009) identificam a Constituio Federal de 1988 e a reforma do aparelho do Estado de 1995 como marcos legais que se constituem em fundamentos de natureza macro, os quais favoreceram o desencadeamento das demais aes que viabilizaram o controle dos atos dos agentes pblicos e uma maior participao da sociedade nas questes do oramento. Os autores tambm destacam que esse marco legal e as aes subsequentes evidenciam que nesses ltimos 20 anos a sociedade civil brasileira caminhou em direo accountability, que pode ser definida como um processo que envolve responsabilidade (objetiva e subjetiva), controle, transparncia, obrigao de prestao de contas e justificativas para as aes que foram ou deixaram de ser realizadas.
No contexto das crticas s reformas, Matias-Pereira (2008) argumenta que o modelo de reforma do Estado, dual e linear, no se mostrou capaz de resolver adequadamente os problemas socioeconmicos do pas. O autor destaca que ficou evidenciado que, em geral, alm da ausncia de vontade poltica dos governantes, as reformas apresentaram-se desarticuladas e incoerentes.
Apesar das crticas ao movimento da NGP no pas, observa-se que o Brasil tinha na Lei n 4.320, de 17 de Maio de 1964, a sua nica base para os procedimentos da contabilidade pblica. Essa lei estabelecia a normatizao geral para elaborao e controle dos oramentos e balanos da Unio, dos Estados, dos Municpios e do Distrito Federal da Repblica Federativa Brasileira.
Mtodo de investigao: Neste artigo desenvolvida uma abordagem da reviso terica sobre os temas em relevo. Trata-se de um estudo de reviso terica de natureza exploratria e descritiva, numa abordagem essencialmente qualitativa, em que pesquismos em bibliotecas, em sites institucionais, em normativo do Tribunal de Contas da Unio (TCU) e da Controladoria Geral da Unio (CGU) e nas bases de dados online Emerald, Scopus e Web Science para alcanar o objetivo especfico. Nas bases de dados, o critrio inicial de procura foi as palavras-chave New Public Management, e no houve restrio de anos para a seleo. A reviso da literatura foi realizada de forma tradicional, sem a pretenso de abrigar todas as publicaes, mas antes identificar os principais autores e estudos para reconhecer as dimenses que suportam essa temtica.
Ao direcionar o foco para a questo da gesto financeira e patrimonial das universidades federais essas instituies esto sob o controle do TCU e CGU tentamos identificar e apresentar o constructo dos instrumentos legais sobre essas instituies. Neste cenrio, identifica-se a Lei n 8.443, de 16 de Julho de 1992, que dispe sobre os poderes do TCU, destacando a competncia do rgo para regular a prestao de contas das entidades e apontando tambm a exigncia que as mesmas apresentem documentos ao controle externo, tal como o relatrio de gesto (Tribunal de Contas da Unio, 2010).
Atravs do relatrio de gesto, o TCU examina a eficcia, a eficincia, a efetividade e a economicidade da gesto da entidade pblica federal em relao a padres administrativos e gerenciais expressos em metas e resultados negociados com a administrao superior ou definidos nas leis oramentais. Para alm disso, o TCU observa atravs dos documentos a capacidade dos controles internos de cada instituio para minimizar os riscos, evitar falhas e identificar internamente as irregularidades (Tribunal de Contas da Unio, 2010). Em 2015, o Brasil tinha 63 instituies, distribudas pelas cinco regies, destacando-se a Regio Sudeste com o maior nmero de instituies. Neste sentido, foram analisados os relatrios de gesto de 2013 de 18 universidades federais do Sudeste do Brasil que estavam disponveis no site do TCU.
Resultados, concluses e suas implicaes: No obstante o reconhecimento da importncia dos tpicos da NGP, constata-se que a literatura apresenta opinies diversificadas, sendo umas favorveis e outras desfavorveis NGP, tal como afirmam Thiel e Leeuw (2002) e Rocha (2009), salientando vrias consequncias indesejveis do movimento na administrao pblica. Os autores identificam diferenas entre os dois setores que podem ocasionar distores na aplicao dos mecanismos de gesto do setor privado aplicados gesto no setor pblico. Apesar das crticas, eles consideram o contributo positivo do movimento da NGP para a administrao pblica. Sendo assim, destacamos que os argumentos da reviso da literatura convergem para a reflexo de que as mudanas na administrao pblica eram necessrias e inevitveis pela conjuntura social e econmica que se apresentava, no ficando imune a essa presso o setor do ensino superior pblico.
O ponto de partida para responder questo deste artigo apresentar quatro cenrios que descrevem o contexto da implementao das orientaes do movimento da NGP nas universidades pblicas federais.
Primeiro cenrio. No mbito das instituies de ensino superior, independente da abordagem do movimento da NGP, a literatura mostrou uma submisso histrica da atividade s restries legais e aos regulamentos vinculados a dimenso didtico-cientfico impostos pela administrao pblica, limitando e controlando a atuao do ensino superior.
Segundo cenrio. No Brasil, identifica-se diversas mudanas no sistema legal e no controle normativo que foram introduzidas na sequncia da NGP. Aquelas parecem vir a criar mais instrumentos normativos para exigir alteraes na prestao de contas para as informaes de natureza contabilstica, financeira, oramental e patrimonial. A administrao pblica federal submetida ao controle do TCU e da CGU e, nomeadamente o TCU, regula a prestao de contas das instituies federais atravs da exigncia de apresentao para o rgo e a divulgao para a sociedade de vrios documentos, entre os quais possvel destacar o relatrio de gesto. exigida a apresentao desse documento um conjunto de normativos que aponta para uma considerao das questes da eficincia, da eficcia e da economicidade da gesto em relao aos padres administrativos e gerenciais expressos em metas e resultados, o que parece gerar uma repercusso das orientaes do movimento da NGP sobre a gesto da administrao pblica federal. Assim sendo, apresentamos, na Figura 1, uma representao resumida da perceo do cenrio identificado na literatura e no normativo do controle sob administrao pblica federal, e, por conseguinte, nas universidades federais.
Terceiro cenrio. A lista do normativo da Tabela 3 tem com a Instruo Normativa n. 63/2010, que se refere definio e importncia do relatrio de gesto. Na sequncia, observa-se que o tratamento normativo evolui gradualmente apontando as diretrizes a serem observadas at alcanar o ponto de especificar a forma e o contedo a ser apresentado pela administrao pblica federal. A este facto acrescenta-se a preocupao do controle externo, identificada na Deciso Normativa n. 129/2013 que altera e inclui alguns aspetos a redao da Instruo Normativa n. 127/2013, em alinhar a prestao de contas de setores com caractersticas especficas como o Banco do Brasil, a Caixa Econmica Federal, o Conab, a Embrapa, a Petrobrs e os servios sociais autnomos. Ou seja, o controle externo parece estreitar a prestao de contas, exigindo informaes especficas para os diversos segmentos ligados a administrao pblica federal.
Quarto cenrio. direcionado especificamente para as universidades pblicas federais, realando-se o programa de restruturao REUNI institudo em 2007 que parece representar uma inquietao da sociedade ao trazer as condies das universidades pblicas federais e seus resultados ao debate. Por outro lado, tambm parece revelar uma maior presso do controle da administrao superior sobre a responsabilidade dos seus gestores.
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