Resumo: Propsito do Trabalho: Os desenvolvimentos teóricos da gestão interorganizacional de custos (GIC), quando aplicada no setor automobilístico (Cooper & Slagmulder, 2004) destacam que há inúmeras formas de mudanças nas relações entre montadoras de veículos e fábricas de autopeças, como a engenharia simultânea, colocando lado a lado engenheiros da montadora e de seus sistemistas de primeiro nível para desenvolver temas como: (a) produtos de melhor qualidade em menores prazos e custos; (b) envolvimento de longo prazo; (c) maior compartilhamento de informações; (d) política de troca de informações sobre custos. As tendências à integração dos sistemas e modularização por parte dos fornecedores são parte da criação de um sistema enxuto de fornecimento com a redução do número de fornecedores diretos na primeira camada e mudança no papel e responsabilidade dos fornecedores (Holweg, 2008).
A partir dessas considerações, este estudo tem como objetivo verificar se a GIC em consórcios modulares possibilita a redução dos custos globais das operações. Para tanto, buscou-se diagnosticar os fluxos de informações de custos em consórcio; verificar (a) se a troca de informações contribui para a redução de custos e para o aprendizado organizacional dos modulistas e da empresa consorciadora; (b) discutir acerca das possibilidades da modularização ser ou tornar-se num ambiente propício para a GIC. O estudo contribui para o avanço dos estudos sobre GIC especialmente no contexto de aplicações empíricas, de modo a validar os mais recentes desenvolvimentos teóricos sobre o tema ou suscitar reflexões teóricas mais robustas sobre o tema.
Base da plataforma terica: Observa-se que há no setor automobilístico um cenário inovativo para o desenvolvimento organizacional modular onde ambos, fabricantes automotivos e fornecedores, precisam concordar e seguir um molde tecnológico e organizacional para conseguir eficiência operacional em produção. Para Bennet e Klug (2012) alguns observadores afirmam que o papel do fornecedor e do fabricante automotivo integrados parece ter se tornado permanente nas organizações, encorajando a imersão de novas formas de organizações, como é o caso de alguns fornecedores de componentes que têm se transformado em fornecedores modulares, ofertando não somente conhecimento de montagens superficiais, mas uma solução de serviços mais holística.
Nesse sentido, a modularização emerge como um conceito no projeto de produto onde o produto final é constituído de um número de módulos do produto. Os módulos são montados para configurar um grande número de variações do produto final (Mikkola, 2006). No entendimento de MacDuffie (2013), a modularidade é uma propriedade da engenharia de produtos, organizações e redes interorganizacionais e a modularização é um processo que afeta esses projetos ao mesmo tempo, moldando limites firmes e panoramas da indústria.
Para fins de gestão estratégica de custos nesses relacionamentos interorganizacionais uma possibilidade é a GIC. Conforme retratam Braga, Souza e Braga (2011), a GIC é um tema recente, pois as primeiras publicações datam da década de 1990, mais especificadamente de 1992 com Munday, quando o tema foi tratado como "sharedcosts” e "cost data disclosure". Ainda de acordo com Braga, Souza e Braga (2011), em 1994, Cooper denominou estes procedimentos de interorganizational cost management (IOCM), onde mais fortemente o tema foi aprofundado. A partir de 1999, com trabalhos de Cooper e Slagmulder, começaram investigações em maior número. Estes fatos, também relatados por Agndal e Nilsson (2009), evidenciam que o campo de pesquisa é amplo é pouco explorado.
Há vários instrumentos que possibilitam a aplicação da GIC, porém, destaca-se dentre eles a open-book accounting (OBA), um instrumento gerencial que permite integrar as empresas e facilitar a troca de informações relevantes entre entidades que compõe uma cadeia de valor. Para Souza e Rocha (2009) a implantação da OBA pela empresa é realizada através da disponibilização e divulgação de todas as informações relevantes com seus parceiros, os quais deverão responder a iniciativa com o mesmo instrumento, sempre explicitando a verdadeira realidade da empresa. Como salientam Mouritsen, Hansen e Hansen (2001), a empresa que opta por adotar a abertura de livros obtém benefícios que proporcionam maior flexibilidade e oportunidade de vantagem competitiva, além de encontrar potenciais restrições ainda não conhecidas e exploradas anteriormente.
Mtodo de investigao: do estudo assume duas características principais: (a) um estudo exploratório de natureza qualitativa; (b) uma etapa descritiva e conclusiva da pesquisa. Malhotra (2006) afirma que o principal objetivo da pesquisa exploratória é fornecer uma melhor compreensão ou definição do objeto de estudo. Neste caso, o método de pesquisa normalmente é mais flexível e menos estruturado; a amostra é selecionada com vistas a gerar o máximo de insights, e não por sua representatividade. Quanto a característica descritiva ele entende-a como sendo uma pesquisa conclusiva com o propósito de descrever algo, no caso, características do objeto investigado. A pesquisa é caracterizada como um estudo de caso com objetos incorporados (Yin, 2005). O objeto empírico é composto pelo consórcio modular da MAN caminhões e ônibus, fábrica de Resende/RJ. Os objetos incorporados são os parceiros (consorciados) desta iniciativa.
Os dados colhidos são de natureza qualitativa e, assim, analisados. Para a coleta dos dados utilizou-se da entrevista em profundidade, uma abordagem que se caracteriza como direta, na qual um único respondente por vez é investigado para descobrir motivações, crenças, atitudes e sentimentos com respeito a um tópico (Malhotra, 2006). Duarte (2005) destaca que a entrevista em profundidade é uma técnica qualitativa que explora um assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências de informantes para analisá-las e apresentá-las de forma estruturada.
Foram entrevistados, de forma presencial, diretores e gerentes da MAN e dos modulistas. O roteiro de entrevista foi elaborado em três partes. A primeira parte enfocou o assunto de interesse da pesquisa por meio de perguntas relativas à modularização a GCI. A segunda destinou-se a explorar opiniões a respeito dos impactos percebidos na utilização da modularização e da GIC. E a terceira parte do roteiro foi incluída para obter informações sobre o perfil dos entrevistados. Também foram elaboradas questões de modo a obter-se um comparativo do relacionamento mantido com o fabricante automotivo, no caso a MAN e os três maiores clientes do modulista (Fabricantes de Equipamento Original - FEO). As questões foram pré-testadas junto a oito pesquisadores do tema em estudo.
Resultados, concluses e suas implicaes: A pesquisa teve o objetivo de verificar se a GIC em consórcios modulares é uma abordagem válida para a redução dos custos globais das operações. Além disso, teve a oportunidade de explorar esta temática de modo a contribuir para o avanço de pesquisas nas relações interorganizacionais. Também ao tratar do open book accounting buscou ressaltar a importância da abertura de informações nos relacionamentos interorganizacionais, em especial de custos, entre os integrantes de consórcios modulares. Nesse sentido, a pesquisa evidenciou que o sistema modular nos relacionamentos interorganizacionais investigados propiciou ganhos financeiros e não-financeiros.
Em uma primeira abordagem procurou-se identificar a existência de aprendizado por parte dos modulistas a partir de ações do fabricante. Os resultados indicam que a MAN compartilha conhecimentos com seus modulistas. Isso ficou evidente devido à totalidade dos entrevistados ter declarado que a MAN envia, por exemplo, consultores e pessoal de suporte técnico, para auxiliar na melhoria de processos de qualidade, de entrega e de custos. Esse apoio técnico e consultivo prestado pela MAN ocorre diariamente, em média um turno/dia. É uma prática que já vem sendo utilizada há dez anos pela MAN.
Esse achado é consistente ao que Cooper e Slagmulder (2004) ressaltam quanto à necessidade das empresas cooperarem de forma eficaz. A ideia central é encontrar soluções em um amplo conjunto de informações, abrangendo qualidade do produto, satisfação dos clientes, custos, etc., a fim de possibilitar vantagem competitiva. Sob a perspectiva dos modulistas esse achado significa um benefício de longo prazo, pois o efeito do aprendizado incorporado por meio da transferência de competências pode ser duradouro.
Em relação à troca de informações contábeis, os achados indicam a ocorrência somente entre os modulistas e a MAN. São compartilhadas informações de quantidade produzida, custos de produção, estoque e número de funcionários. Contudo, essa abertura não ocorre a montante e a jusante. Essa é uma limitação para a aplicabilidade da GIC através do open book accounting, conforme destacado por Souza e Rocha (2009). Existe a abertura de informações contábeis, mas a mesma é impositiva e somente em uma única direção, dos fornecedores para os compradores. Assim, os compradores influenciam o mercado ao forçar os preços para baixo, demandar maior qualidade ou mais serviços e, portanto, possuem a capacidade de acirrar a concorrência em um determinado mercado.
Entretanto é necessário avanços na aplicação do open book accounting, haja vista as evidências sinalizarem que a abertura de informações entre a MAN e os modulistas ocorre somente a montante. Desta forma, o uso integral dos conceitos da GIC não é ainda aplicável. Assim, considera-se que o sistema de consórcio modular da MAN é um ambiente propício a GIC. Contudo, no momento alguns ajustamentos seriam necessários para que se pudesse considerar que no relacionamento interorganizacional investigado há aplicação plena da GIC, particularmente quanto ao uso da OBA.
Considerando as limitações da pesquisa, notadamente quanto à aplicabilidade das entrevistas em quatro dos oito modulistas e de questões inerentes à abordagem qualitativa, sugere-se para futuros estudos a aplicação do questionário nos demais modulistas a fim de obter-se evidências que possam corroborar os resultados obtidos por essa pesquisa a partir da estatística descritiva. Estudos realizados sobre outros formatos organizacionais de produção também podem propiciar importantes análises comparativas dos resultados de cada realidade.
Referncias bibliogrficas: Agndal, H., Nilsson, U. (2009). Interorganizational cost management in the exchange process. Management Accounting Research (20), pp. 85-101.
Braga, A., Souza, M. A., & Braga, D. G. (2011). Necessidade informacional e influências da gestão de custos interorganizacionais em governança e custos de transação: um estudo de casos. In: XVIII CONGRESSO BRASILEIRO DE CUSTOS. Anais…Rio de Janeiro, CD-ROM.
Cooper, R., & Slagmulder, R. (2004). Interorganizational cost management and relational context. Accounting, Organization a Society, 29, pp. 01-27.
Holweg, M. (2008). Theoretical perspectives on the coordination of supply chains. Journal of Operations Management, 26(3), pp. 389-406.
MacDuffie, J. P. (2013), Modularity-as-Property, Modularization-as-Process, and ‘Modularity'-as-Frame: Lessons from Product Architecture Initiatives in the Global Automotive Industry. Global Strategy Journal, 3: 8–40. doi: 10.1111/j.2042-5805.2012.01048.x
Mikkola, J. H. (2006). Management of product architecture modularity for mass customization: modeling and theoretical considerations. IEEE - Transactions on Engineering Management, 54(1), pp. 57-69.
Mouritsen, J., Hansen, A., & Hansen, C. O. (2001). Inter-organizational controls and organizational competencies: episodes around target cost management/functional analysis and open book contracting. Journal of Management Accounting Research, 12, pp. 221-244.
Souza. B., & Rocha, W. (2009). Gestão de custos interorganizacionais: ações coordenadas entre clientes e fornecedores para otimizar resultados. São Paulo, Atlas.
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