Resumo: Propsito do Trabalho: A maior parte do mundo já se comunica com os investidores e as partes interessadas, sobre o desempenho financeiro corporativo, nos termos das normas internacionais de contabilidade, emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB). No entanto, existe um conjunto de países que não está confortável com a adoção dessas normas, por entender que elas ferem seus princípios, como é o caso dos países islâmicos, onde a religião influencia as atividades econômicas e financeiras da sociedade. Alguns desses países adotam e respeitam as regras contidas na Sharia ou Lei Islâmica. Esse trabalho objetivou comparar a normas islâmicas de contabilidade ou Islamic Financial Accounting Standards (IFAS) emitidas pelo Accounting and Auditing Organization for Islamic Financial Institutions (AAOIFI) com as normas internacionais de contabilidade ou International Financial Reporting Standards (IFRS) emitidas pelo IASB e verificar a existência de diferenças entre as mesmas. Para tanto, realizou-se uma pesquisa documental às IFAS e às normas do IASB. Utilizou-se a técnica da analise de conteúdo, tendo como o tema a unidade de significação. O universo da análise compreendeu as 25 IFAS vigentes ate o ano de 2012 aplicáveis às Instituições Financeiras Islâmicas. Os resultados apontaram para a existência de diferenças significativas entre os dois conjuntos de normas, as quais foram agrupadas em três categorias de análise. Concluiu-se, ao final dessa análise, que existem diferenças na maioria das normas, especialmente no que diz respeito à Estrutura Conceitual Básica, base para a emissão dos normativos contábeis, onde há relevante influencia do islamismo, dificultando a adoção completa das IFRS por parte das Instituições Financeiras Islâmicas globais.
Base da plataforma terica: 2.1 Contabilidade Islâmica
Filho, Lopes e Pederneiras (2009) mencionam que diversas obras de Ibn Taymiyya, nascido em 1263, descrevem pormenorizadamente o sistema contábil que era utilizado pelos muçulmanos desde o século VII d.C e que tais práticas contábeis haviam sofrido influências das civilizações romana e persa, com quem eles tiveram contato. Ainda segundo os autores “Ibn Taymiyya apresenta um exemplo ricamente detalhado de sistema de contabilidade governamental”. Era através daquele sistema que se tornou possível registrar todas as receitas, despesas e pagamentos durante o califado de Omar, o segundo Califa do Islamismo.
A contabilidade no Islamismo, dentre outras coisas, fundamenta-se no reconhecimento, medida e registro das operações e da justa apresentação dos direitos e obrigações, como pode ser verificado, inclusive, no Versículo 282, da Surata ou capítulo denominado Al-Baqarah, do Alcorão na seguinte passagem: “Oh, você que crê! Quando você negocia com os outros em negócios envolvendo obrigações futuras em um período de tempo determinado, reduza-o à escrituração” (HAYEK, 1994).
A contabilidade moderna do islamismo, como observada nos dias atuais, foi impulsionada pelo surgimento das Instituições Financeiras Islâmicas (IFIs) a partir da década de 1970. As finanças islâmicas são formadas por produtos oferecidos por instituições financeiras que seguem a Sharia que por sua vez é definida, de maneira simplificada, como “(...) o conjunto de leis que regem a vida de um muçulmano” (OBAIDULLAH, 2005).
Consequentemente, os produtos devem observar os preceitos da Sharia, para que se qualifiquem como tal, sendo que somente é atribuída ao referido produto quando analisado e aprovado por estudiosos em islamismo. O consenso dos sábios é definido como sendo o acordo de todos os estudiosos muçulmanos ao nível do raciocínio jurídico. Uma vez alcançado um consenso entre todos os estudiosos, a decisão será considerada parte da jurisprudência (VOGEL; HAYES; 1998).
A estrutura do AAOIFI consiste numa Assembleia geral composta de 75 Instituições Financeiras Islâmicas de 16 países. Além disso, possui um Conselho de Administração e um Conselho de Normas de Contabilidade e Auditoria, cada uma composta de 15 membros e um Conselho de Sharia, responsável por harmonizar as normas contábeis e de auditoria aos preceitos da Lei Islâmica.
Mtodo de investigao: O presente artigo está enquadrado na abordagem de pesquisa qualitativa, utilizando-se de pesquisa documental e bibliográfica. Foi realizada uma pesquisa documental em que cada uma das 25 normas islâmicas de contabilidade emitida pelo AAOIFI foi comparada com a norma internacional de contabilidade (IFRS) correspondente. Apontadas as divergências, quando encontradas, realizou-se a analise para responder a pergunta central desse estudo, se existem diferenças entre as IFAS e as IFRS.
Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo que, segundo Martins e Theóphilo (2009, p. 99): “[...] busca a essência de um texto nos detalhes das informações, dadas as evidências disponíveis.” A organização da codificação compreende três escolhas: 1) o universo de análise; 2) as unidades de análise ou unidades de registro; 3) as categorias de análise (BARDIN, 1997).
O presente trabalho considerou como universo de análise todas as normas de contabilidade emitidas pelo AAOIFI para as Instituições Financeiras Islâmicas até o dia 31 de dezembro de 2012, e as normas internacionais de contabilidade emitidas e alteradas até o dia 1º de julho de 2011 conforme o livro publicado pelo IASB em 2012.
As unidades de análise ou o elemento básico de análise foi definido tendo o tema como unidade de significação. Como indica Bardin (1997, p. 105), “[...] fazer uma análise temática consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a comunicação e cuja presença ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido”. Os núcleos de sentido são recortes que dependem dos objetivos do estudo.
Com base na análise e sistematização das diferenças existentes entre as normas do AAOIFI e do IASB, estabeleceram-se três conjuntos de categorias a serem verificadas, a saber:
• Categoria 1: Diferenças em função da religião islâmica: esta categoria caracteriza-se por apresentar as diferenças entre as orientações contábeis emanadas a partir de interpretações da Sharia e as normas contábeis internacionais refletidas nas IFRS.
• Categoria 2: Diferenças de caráter geral entre o AAOIFI e o IASB; e
• Categoria 3: Normas do AAOIFI sem correspondentes no IASB.
Resultados, concluses e suas implicaes: Foram identificadas diferenças no que diz respeito à Estrutura Conceitual dos dois normatizadores, visto que ela é a base para a emissão de todas as normas de contabilidade. Partindo dessa premissa e considerando que não foram identificadas muitas divergências em termos de conteúdo, chegou-se a conclusão de que as divergências relevantes entre os documentos derivam da estrutura conceitual do AAOIFI ser baseada na Sharia. A principal conclusão nesse sentido é de que para a contabilidade islâmica, ao contrário das normas internacionais emitidas pelo IASB, prevalece uma espécie de equivalência da essência econômica das transações e eventos com a forma jurídica, ao contrário da prevalência da essência sobre a forma preconizada pelo IASB.
O AAOIFI e IASB possuem normas que diferem entre si em alguns aspectos. Em termos de divulgação das demonstrações financeiras, as normas islâmicas tendem a apresentar uma maior transparência, em função dos objetivos das demonstrações financeiras serem distintos nos dois normatizadores. Dessa forma, outra diferença importante observada, que provocou a maior parte das divergências entre as normas contábeis, foi com relação aos usuários das demonstrações financeiras. No caso do IASB, o principal interessado é o investidor. No caso do AAOIFI, as informações são preparadas para Allah e à Sociedade. Além disso, as normas emitidas pelo AAOIFI são destinadas, fundamentalmente, às Instituições Financeiras Islâmicas, ao passo que as IFRS para quaisquer tipos de entidades, independentemente do segmento econômico.
Esse trabalho busca ser uma contribuição aos estudos dos impactos da religião na contabilidade, tema pouco estudado no Brasil, e pretende servir de base para pesquisadores e empresários brasileiros que queiram estudar ou fazer negócios com o mundo islâmico. Como sugestão, para estudos futuros, podemos destacar: a) um estudo quantitativo do efeito nos resultados das IFIs após a adoção das IFRS; b) análise comparada entre as normas de auditoria, ética e governança corporativa emitidas pelos dois normatizadores; c) impacto da implantação das IFRS nas IFIs; e d) estudos comparativos de rentabilidade entre bancos convencionais e bancos islâmicos que adotem normas contábeis distintas.
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