Resumo: Propsito do Trabalho: As características qualitativas da informação contábil almejadas pelo International Accounting Standards Board (IASB) na estrutura conceitual são: a relevância e informação fidedigna. Segundo o IASB a informação contábil é considerada relevante quando capaz de auxiliar tempestivamente os agentes econômicos, e considerada fidedigna se for confiável, ou seja, neutra e ausente de erro e viés. Com esses objetivos a prática contábil do conservadorismo adotado por vários países (Santos, Lima, Freitas, & Lima, 2011) ficou na contramão das Normas Internacionais de Contabilidade (NIC), motivando sua retirada da estrutura conceitual.
Com o processo de conversão contábil o IASB iniciou parceria com grupos de países latino-americanos, visando a uma relação de discussões sobre as normas para facilitar o processo de conversão, observando as divergências e particularidades necessárias para cada país. Foi criado o Grupo Latino-americano Emissor de Normas de Informação Financeira (GLENIF), que até o momento é formado por dezessete países que visam adequar as NIC’s emitidas pelo IASB considerando as condições particulares de cada país membro.
Considera-se a seguinte questão: qual o nível de conservadorismo contábil nos países membros do GLENIF? Nesse sentido, o objetivo da pesquisa consiste avaliar se os países membros do grupo de discussão das normas internacionais de contabilidade na América Latina apresentam conservadorismo contábil em suas informações financeiras.
A pesquisa pode ser considerada relevante, devido ao atual contexto de movimentos mundiais em torno da convergência de normas contábeis e de organização de países em grupo como o GLENIF, que trabalham conjuntamente no processo de adoção e/ou convergências as NIC, buscando melhoria na qualidade das demonstrações financeira.
Base da plataforma terica: Segundo Ahmed, Nell e Wang (2013) não há consenso sobre a definição de qualidade da informação contábil, esta medida está relacionada à representação fidedigna da situação econômica da empresa e é aceita pelos agentes econômicos. tais como normatizadores, reguladores, profissionais contábeis, usuários e acadêmicos. No entanto, o problema reside nas empresas serem capazes de aplicar métodos contábeis alternativos, visando influenciar os números contábeis divulgados de acordo com suas necessidades (Fields, Lys & Vincent, 2001).
A literatura contábil enumera algumas proxies para medida da qualidade dos números contábeis: acréscimos discricionários, empresa de auditoria, assimetria de informação, gerenciamento de resultados, nível de conformidade financeira e fiscal, sistema jurídico, influência da legislação fiscal, nível de evidenciação das informações, estrutura acionária, fonte de capitais das empresas e conservadorismo contábil (Basu, 1997; Soderstrom & Sun, 2007; Barth et al., 2008; La Porta, De-Silanes & Shleifer, 2008; Costa, 2012; Ahmed et al., 2013).
O grau de conservadorismo aplicado aos relatórios contábeis pode influenciar na qualidade da informação: um alto nível dessa prática pode ser prejudicial para os resultados apresentados e as demais informações reveladas aos usuários se tornam menos eficazes para a tomada de decisão (Costa, Lopes & Costa, 2006).
O IASB na revisão da Estrutura Conceitual 00 retirou o conservadorismo das características qualitativas da informação contábil, argumentando que não é uma qualidade desejável nas demonstrações financeiras, pois se objetiva informações de qualidade, que tenha relevância para usuários e retrate de forma fidedigna a situação econômica e financeira das empresas. A prática de conservadorismo pelos profissionais contábeis tem elevado grau de subjetividade e viés, podendo resultar em informações de baixa qualidade (Piot; Dumontier & Colauto, 2011; Hendriksen & Breda, 1999).
O impacto do conservadorismo contábil nos relatórios financeiros ainda não é bem compreendido pelos pesquisadores (Watts, 2003). Estudos como os de Basu (1997), Watts (2003), Francis e Martin (2010) Ahmed e Duellman (2012) sugerem que o conservadorismo impede os gestores de divulgarem a situação econômica das empresas fidedignamente, distorcendo informações e alocação de recursos.
Estudos empíricos (Barth et al., 2008; Ahmed & Duellman, 2012) têm sido desenvolvidos analisando se o conservadorismo contábil impacta positivamente ou negativamente na qualidade da informação contábil em vários contextos. Geralmente as pesquisas utilizam o modelo de Basu (1997). Esse modelo parte da premissa do reconhecimento mais oportuno de más notícias sobre os fluxos de caixa do que as boas notícias.
Basu (1997) objetivando avaliar o reconhecimento assimétrico de boas e más notícias e a forma como o lucro incorpora o retorno econômico, utilizou como proxy de boas e más notícias o retorno positivo e negativo anual da ação. Para tanto, investigou todas as companhias abertas com títulos na Bolsa de Nova Iorque no período de 1963 e 1990. Os resultados mostraram que a prática de conservadorismo se tornou mais estável ao longo do período pesquisado. Uma justificativa apresentada para esse fenômeno é a possível reação ao aumento da responsabilidade legal dos auditores.
O modelo de Basu (1997) se tornou um marco para as pesquisas sobre conservadorismo contábil (Coelho & Lima, 2007). Posteriormente outros estudos foram surgindo, objetivando o maior entendimento dessa prática e suas consequências para o mercado financeiro e de capitais.
Mtodo de investigao: Para cumprir os objetivos da pesquisa partiu-se do modelo de Basu (1997), conforme equação 1, aplicado em cada país separadamente, no entanto, para capturar os efeitos do conservadorismo contábil na amostra pesquisada, em todos os países no seu conjunto, cogitou-se a modificação proposta na equação 2.
〖Luc〗_it/P_(it-1) =α_0+α_1 D_it+ α_2 〖RE〗_it/P_(it-1) + α_3 D_it 〖RE〗_it/P_(it-1) + ε_it Equação (1)
Em que:
Lucit = lucro líquido (contábil) por ação da empresa i no ano t;
Pt-1 = preço da ação no final do exercício anterior empresa i no ano t;
Dit = variável dummy: 1 se o retorno econômico for negativo e 0 caso contrário;
REit = retorno econômico por ação da empresa i no ano t [( Pit – Pit-1 ) ajustado pelo pagamento de dividendos];
α2 = coeficiente da regressão que reflete a oportunidade do lucro contábil, ou seja, o reconhecimento do retorno econômico pelo lucro contábil;
α1 e α3 = coeficientes da regressão que refletem o reconhecimento assimétrico do retorno econômico, às boas e más notícias, pelo lucro contábil;
εit = termo de erro da regressão.
〖Luc〗_it/P_(it-1) =α_0+α_1 D_it+ α_2 〖RE〗_it/P_(it-1) + α_3 D_it 〖RE〗_it/P_(it-1) +α_4 〖DP〗_i+ε_it Equação (2)
Onde:
DPi : variável dummy: 1 para o país i, 0 caso contrário.
A partir das equações foram aplicados três modelos para dados em painel: pooled, fixed effects e random effects. Nesse sentido, torna-se importante mencionar dois ajustes nas equações, no caso de fixed effects seja considerado mais adequado para a análise: 1) a equação dois não pode ser estimada, pois a dummy país é constante ao longo do tempo; e 2) o intercepto α0 é diferente para cada indivíduo (α0i). Para todos os modelos foram aplicados testes (Teste de Chow, Teste de Breusch-Pagan e Teste de Hausman) para verificar qual o método de estimação dos coeficientes mais adequado para a aplicação.
A população objeto desta pesquisa consiste nas companhias abertas listadas em bolsa, com ações ordinárias, nos seguintes países: Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela (membros do GLENIF). O período compreendido na coleta de dados foi de dezembro de 2003 até dezembro de 2012.
Foram identificadas no período pesquisado 1.832 empresas, após as exclusões por não apresentarem no mínimo cinco observações para cada variável, a amostra final ficou em 757 empresas.
Resultados, concluses e suas implicaes: Por meio da estatística descritiva verifica-se um cenário de alta volatilidade para os membros do GLENIF. Pela análise da média dos retornos econômicos, tem-se que a Venezuela é o país com maior média de retorno econômico por ação (0,50), seguido pelo Peru, Brasil, e Colômbia que apresentam resultados iguais. Chile e México também apresentam resultados iguais e o menor retorno econômico por ação dentre o grupo analisado. Essas evidências comprovam a necessidade de se analisar possíveis outliers, que por ventura, poderão influenciar os resultados dos modelos.
Também foi avaliada a frequência dos retornos econômicos da variável dummy. Com esses resultados fica claro que em todos os países analisados os retornos econômicos positivos ocorreram em mais de 60% dos casos. A Argentina foi o país que apresentou maior frequência e a Colômbia o que apresentou menor frequência de retornos econômicos negativos. Em relação ao número de observações o Brasil é o país com o maior número (35,15%), em contrapartida a Venezuela, que possui apenas 1,86% de representatividade das observações ambos comparados com os demais países do GLENIF.
Os cálculos foram efetuados utilizando-se a amostra total (NxT=7.525) e a amostra sem outliers (NxT=6.049). Como procedimento para exclusão dos outliers adotou-se os cálculos das estatísticas dfits para cada resíduo padronizado e utilizou-se dos pontos de corte sugeridos por Baum (2006), cujo critério reside em excluir as observações com |difts| > 2(k/N)1/5, onde k=número parâmetros no modelo, e N=número de observações. Essa prática de eliminar os extremos também foi utilizada no trabalho de Basu (1997) e Costa, Lopes & Costa (2006), e como a distribuição dos retornos na presente pesquisa apresentou-se muito volátil optou-se por trabalhar com a amostra sem outliers.
As evidências encontradas mostram que há uma associação entre o lucro contábil e o retorno econômico das ações, ou seja, o resultado contábil reflete nos preços das ações, para todos os países membros do GLENIF. Em relação aos coeficientes que medem o conservadorismo contábil, α2 e α3, os resultados para Brasil, Argentina, e Colômbia geram indícios que o reconhecimento do retorno econômico pelo lucro contábil é simétrico para esses países, ou seja, não há presença do conservadorismo contábil nas práticas contábeis.
Segundo Costa et al. (2006) nesses casos quando as empresas apresentarem lucro contábil positivo terá reflexo positivo nos preços das ações, e também quando apresentar lucro negativo refletirá negativamente no retorno econômico.
Costa et al. (2006) encontraram falta de relação entre o lucro contábil e o retorno nas empresas venezuelanas e brasileiras, contrária aos resultados desse estudo, fato esse que pode ser um indicativo de melhora na qualidade da informação contábil das empresas da Venezuela e do Brasil.
Essa divergência nos resultados das pesquisas também pode ser explicada pelas mudanças das normas contábeis brasileiras e venezuelanas para o padrão internacional (em 2010 no Brasil e em 2012 na Venezuela) posterior a pesquisa de Costa et al. (2006). Segundo Barth et al. (2008), com a adoção as IFRS espera-se que os números contábeis sejam de melhor qualidade do que os de empresas que usam GAAP domésticos.
Quando o coeficiente de α3 é maior do que o coeficiente de α2 há um reflexo maior do retorno negativo no lucro contábil, o que segundo Basu (1997), é um indicador de conservadorismo no reconhecimento de boas e más notícias pelo lucro contábil. Dos países membros do GLENIF o Brasil, a Argentina, e a Colômbia apresentam comportamento semelhante, com α2 maior do que α3.
Os resultados estatísticos encontrados para Chile, México, Peru e Venezuela podem ser explicados devido ao fato de estarem em período de adaptação às novas normas contábeis, ou seja, as IFRS. Como o período analisado compreende 2003 a 2012, e o período de transição nesses países iniciou em 2008 e alguns países finalizaram em 2013, interferindo na análise geral do período pesquisado. Para solução de tal problema seria necessário o estudo das práticas conservadoras no período antes e no período depois da adoção as IFRS.
Referncias bibliogrficas: Ahmed, A.S., Billings, B., Mortin, R. & Stanford, M. (2002).The role of accounting conservatism in mitigating bondholder-shareholder conflicts over dividend policy and in reducing debt costs, The Accounting Review, 77, 867-890.
Balakrishnan, K., Watts, R., & Zuo, L. (2013) Accounting Conservatism and Firm Investment: Evidence from the Global Financial Crisis. Working Paper. Recuperado em 03 janeiro, 2014, de http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1952722.
Basu, S. (1997). The conservatism principle and the asymmetric timeliness of earnings. Journal of Accounting & Economics, 24.
Costa, F. M., Lopes, A. B., & Costa, A. L. C. de O. (2006, maio/agosto). Conservadorismo em Cinco Países da América do Sul. Revista Contabilidade e Finanças-USP, (41).
La Porta, R., De-Silanes, F. L., & Shleifer, A. (2008). The economic consequences of legal origins. Journal of Economic Literature, 46 (2).
Piot, C., Dumontier, P., & Janin, R. (2011). IFRS consequences on accounting conservatism within Europe: The role of Big 4 auditors. Recuperado em 02 julho, 2013, de http://ssrn.com/abstract=1754504.
Santos, L. P. G., Lima, G. A. S. F., Freitas, S. C., & Lima, I. S. (2011). Efeito da Lei 11.638/07 sobre o conservadorismo condicional das empresas listadas BM&FBOVESPA. Revista Contabilidade e Finanças, 22 (56), 174-188.
Watts, R. L. (2003, dezembro). Conservatism in Accounting Part II: Evidence and Research Opportunities. Accounting Horizons, 17 (4).
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