Resumo: Propsito do Trabalho: O tema das finanças pessoais e do endividamento vem assumindo ao nível mundial cada vez mais importância. No Brasil, como consequência da estabilidade econômica iniciada a meados da década de 1990 com a implantação do Plano Real, houve necessidade de adaptação a essa nova realidade. Depois de se passar por períodos de alta inflação, onde o resguardo do poder de compra era apenas adotar um comportamento consumidor, chegou-se à estabilidade inflacionária obrigando a fazer mudanças na maneira de gerenciar o dinheiro. O aquecimento econômico brasileiro unido a um aumento da oferta creditícia tem levado às pessoas com pouca “alfabetização financeira” ao endividamento. Por sua vez, esses indivíduos endividados, sem dinheiro para honrar seus compromissos, começam a manifestar dificuldades no relacionamento pessoal, familiar e profissional, ocasionando, além dos problemas econômicos, certo grau de instabilidade social. Embora o entendimento básico da alfabetização financeira relacione-se com a competência da pessoa no manejo do seu dinheiro, sua definição tem sido formulada de diversas formas no mundo acadêmico. Desde o início do século XX existiam pesquisas nos Estados Unidos em educação do consumidor, mas a complexidade na administração de assuntos financeiros nos últimos quarenta anos, fez com que a gestão das finanças pessoais se tornasse um tópico importante de investigar na atualidade. Diante desse contexto a presente pesquisa pretende analisar, segundo modelo de Halpern (2003), as associações entre o conhecimento sobre finanças pessoais e as características dos estudantes universitários do curso de Ciências Contábeis, cujo perfil profissiográfico os vincula concretamente com o uso adequado dos recursos econômicos e financeiros.
Base da plataforma terica: Alfabetização financeira é a medida do grau em que um indivíduo entende os principais conceitos financeiros e possui a habilidade e confiança para administrar, de forma apropriada, suas finanças pessoais, por meio de decisões de curto-prazo e planejamento financeiro de longo prazo, em meio aos eventos que ocorrem em sua vida e às mudanças de condições econômicas. Na avaliação de Hung, Parker e Yoong (2009) as formas em que a alfabetização financeira foi definida incluem: i) uma forma específica de conhecimento; ii) uma habilidade de aplicar esse conhecimento; iii) um conhecimento percebido; iv) ter bom comportamento financeiro; e, v) ter experiência financeira. Argumenta Huston (2010) que podem ser reconhecidas duas dimensões para a alfabetização financeira. Uma relativa ao conhecimento ou educação que chama de entendimento e outra relacionada à aplicação do entendimento na gestão das finanças pessoais. Ou seja, é vista como a medida de quanto um indivíduo consegue entender e usar informações relacionadas às finanças pessoais. Segundo sugere Huston (2010) o constructo deve ser medido em quatro dimensões, quais sejam: i) o valor do dinheiro no tempo, poder de compra, as demonstrações financeiras; ii) os empréstimos, ao usar recursos futuros no presente através do uso de crédito rotativo e parcelamento empréstimos; iii) os investimentos ou a poupança de recursos presentes para uso no futuro por meio de contas de poupança, ações, títulos, fundos mútuos; e, iv) a proteção de ativos por meio de produtos de seguros ou outras atividades de gestão de risco. No entanto, ter alfabetização financeira, isto é, possuir o conhecimento financeiro e a habilidade para aplicá-lo, não significa que se tenha um comportamento adequado com relação às finanças pessoais. Vários fatores e condições podem influenciar o comportamento financeiro e o bem-estar financeiro. O modelo sugerido por Halpern (2003) trata as finanças pessoais por três aspectos principais: educação financeira, gestão de crédito e gestão de ativos. No que tange a educação financeira, Jacob, Hudson e Bush (2000), explicam que o termo “educação” implica em conhecimentos de práticas, direitos, normas sociais e atitudes necessárias ao entendimento e funcionamento das tarefas financeiras. Já o termo “financeira” aplica-se a uma vasta escala de atividades relacionadas ao dinheiro nas nossas vidas diárias: desde o controle do cheque até o gerenciamento de um cartão de crédito; desde a preparação de um orçamento mensal até a tomada de um empréstimo; compra de um seguro ou um investimento, dentre outros. A oferta do crédito no Brasil teve um grande crescimento nos últimos anos permitindo que muitos brasileiros realizem seus objetivos e sonhos com facilidade e também em tempo mais hábil. Por outro lado, conforme coloca Silva (2006), é necessário que todo este consumo acelerado seja controlado e planejado, de maneira que essas compras expressem um histórico positivo para o Brasil e não o aumento do endividamento. Assaf Neto (2005) salienta que uma importante tarefa a ser realizada para ocorrer com eficiência a aplicação de recursos é a gestão dos investimentos. Ou seja, a administração dos créditos de forma organizada e equilibrada, procurando tomar as decisões fundamentais quanto à escolha de um investimento e alcançar o sucesso financeiro pessoal.
Mtodo de investigao: Os dados desta pesquisa survey (Babbie, 2003) foram obtidos com 231 questionários de autopreenchimento aplicado in loco aos estudantes do curso de Ciências Contábeis de uma universidade comunitária do Estado de Santa Catarina. O instrumento de coleta esteve organizado em dois blocos. O primeiro para recolher dados gerais do respondente, compreendendo o perfil individual e o perfil familiar. No segundo bloco, formado por 22 asseverações a serem respondidas numa escala de concordância, se levantaram os dados relativos ao modelo de Halpern (2003). O bloco complementava-se com uma nota de autoavaliação que o aluno dava para seus conhecimentos sobre finanças pessoais. Todos os instrumentos preenchidos foram organizados em uma planilha eletrônica Excel®, na qual se fez o pré-tratamento dos dados (Hair Jr. et al., 2009). Os métodos estatísticos empregados foram análise fatorial exploratória (AFE), Análise de variância (ANOVA) e análise de correlações. Para todos eles foram avaliados os pressupostos de seu uso (Hair Jr. et al., 2009). Antes de realizar as análises fatoriais foi calculado o coeficiente alfa de Cronbach para cada dimensão ou componente do constructo considerado e a correlação do item com a total, conforme o procedimento sugerido por Churchill Jr. (1979). Posteriormente utilizaram-se o teste de Kaiser, Olkin e Meyer e o de Bartlett para confirmar a factibilidade de empregar a análise fatorial. Na AFE usou-se a extração por componentes principais, que não requer multinormalidade, sendo os fatores extraídos segundo o critério de Kaiser a partir de matrizes de correlações. Outras restrições empregadas foram que as cargas fatoriais fossem maiores ou iguais do que 0,60 em módulo e a comunalidade maior ou igual que 0,4. A variância extraída pelo fator no caso de unidimensionalidade devia ser maior ou igual que 40%. Na AFC se usou como critério um coeficiente entre os indicadores e a dimensão ou constructo considerado maior ou igual que 0,5. A partir dos fatores formados com os indicadores que cumpriram os mínimos estipulados para serem retidos se geraram os escores fatoriais para os respondentes, os que foram usados em processamentos ulteriores. As ANOVAs realizadas foram sempre univariadas e, assim muito robustas frente às violações de normalidade e homocedasticidade (Harris, 1975).
Resultados, concluses e suas implicaes: Através da análise descritiva verificou-se que dos 228 casos, 43 alunos possuem 19 anos ou menos; 155 entre 20 e 29; 25 entre 30 e 39; e, apenas 5 possuem mais de 40 anos. Com relação à renda pessoal, 11,40% recebem até R$ 1.000,00; 75,88% entre R$ 1.000,00 e R$ 3.500,00; 6,58% acima desse valor; e, 6,14% não responderam. Com relação à formação, 152 dos entrevistados cursaram o ensino médio exclusivamente em escolas públicas, 52 em escolas privadas, 10 tiveram formação mista e 14 não responderam este item. A grande maioria dos alunos, 94%, trabalha. Sendo apenas 14 estudantes que se dedicam exclusivamente ao ensino superior e 3 os que deixaram a questão sem preencher. As mulheres que responderam foram 148, representando 64,91% do total. Quanto aos períodos do curso em que os alunos estão matriculados tem-se que do 2º houve 5; do 3º 42; do 4º 24; do 5º 49; do 6º 19; do 7º 54; e, do 8º 35 participantes. Os alunos que ainda moram com os pais são a maioria, chegando a 148, já os que vivem com seus cônjuges são 43, o que moram sozinhos 29, com familiares ou amigos 7 e apenas um deixou o item em branco. Por fim, com relação à formação familiar, 46,9% dos pais e 52,6% das mães não concluíram o Ensino Médio e 14,5% dos pais e 13,5% das mães já tinham concluído a graduação. Quando perguntados sobre a nota média que dariam para seu conhecimento e gestão das suas finanças pessoais, a média entre os 195 que responderam foi de 7,21 com mediana e moda em 8,00 e desvio padrão de 1,72. O uso da análise fatorial exploratória possibilitou verificar que a educação financeira e a gestão de ativos comportaram-se de modo unidimensional, pois a maioria dos itens que refletiam tais dimensões correlacionou-se com um único fator. Já para a gestão de créditos foram reconhecidas três subdivisões, que representavam os empréstimos e financiamentos; a geração de dívidas; e, a maneira de afrontar os endividamentos. Reconhecida tal configuração foram gerados os escores fatoriais, os que representaram de modo padronizado e adequado às dimensões do constructo finanças pessoais. Esses registros foram as variáveis dependentes nas análises de variância realizadas e utilizaram-se para a análise das correlações entre si e com a nota de autoavaliação que os respondentes deram aos seus conhecimentos sobre o tema. Os resultados obtidos para a dimensão educação financeira usando as características dos alunos só mostraram diferenças para os estudantes que trabalham, os quais mostraram possuir maiores conhecimentos. Já, as notas médias de autoavaliação usadas como preditores desta dimensão indicam que os alunos aumentam seus conhecimentos a medida que avançam nos seus estudos. Assim os que estão matriculados nos últimos períodos se diferenciam daqueles que estão nos iniciais. Este resultado assemelha-se ao encontrado por Lana et al. (2011) para o interesse por estudos em finanças pessoais, uma das duas subdivisões que apresentou a dimensão educação financeira naquele estudo. Para as dimensões gestão de crédito e gestão de ativos uma característica que foi influente é a renda pessoal do aluno. De maneira geral aqueles que possuem maiores rendas têm maiores empréstimos e financiamentos, afrontam de modo adequado suas dívidas e gerenciam melhor seus ativos. Isto é bastante relevante ao considerar que 94% dos estudantes pesquisados trabalham. No estudo de Lizote et al. (2012), também realizado com alunos de Ciências Contábeis, os respondentes que trabalhavam diferenciavam-se dos que somente estudavam por se atribuírem maiores notas a seus conhecimentos sobre finanças pessoais. Quanto às correlações analisadas no estudo confirmam-se as relações positivas e significantes entre a educação financeira, gestão de ativos e a nota de autoavaliação e também, mas como uma relação negativa, com o endividamento, expresso pelo fator 2 da dimensão gestão de crédito. Tais resultados corroboram com as teorias financeiras e com as evidências empíricas encontradas por Lana et al. (2011) e diferenciam-se dos achados de Lizote et al. (2012), que não registraram relação entre a percepção dos entrevistados sobre suas finanças pessoais e a gestão de crédito.
Referncias bibliogrficas: ASSAF NETO, A. (2005). Mercado financeiro. 6. ed. São Paulo: Atlas.
HALPERN, M. (2003). Gestão de Investimentos. São Paulo: Saint Paul Institute of Finance.
HAIR Jr., J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM R. L. (2009). Análise multivariada de dados. 6. ed., Porto Alegre: Bookman.
HUSTON, S. J. (2010). Measuring Financial Literacy. Journal of Consumer Affairs, v. 44, n. 2, p. 296-316.
LANA; J.; LIZOTE, S. A.; ROCHA, A.; BRAND, A.; VERDINELLI, M. A. (2011). Um estudo sobre a relação entre o perfil individual e as finanças pessoais dos alunos de uma instituição de ensino superior de Santa Catarina. In: Anais do XI Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul.
REMUND, D. (2010). Financial literacy explicated: the case for a clearer definition in an increasingly complex economy. The Journal of Consumer Affairs, v. 44, n. 2, p. 276-295.
SAVOIA, J. R. F.; SAITO, A. T.; SANTANA, F. A. (2007). Paradigmas da educação financeira no Brasil. Revista de Administração Pública, v. 41, n. 6, p. 1121-1141.
SILVA, J. P. da. (2006). Gestão e análise de risco de crédito. 5. ed. São Paulo: Editora Atlas.
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