Resumo: Propsito do Trabalho: Escândalos corporativos, como os casos da Enron e WoldCom, foram os principais responsáveis pelo aumento da preocupação acerca do tema. Isto somado ao aumento da competição graças à globalização e à criação de leis (destacando-se a Lei Sarbanes-Oxley) criou um novo cenário mundial, com a disseminação da importância da Governança Corporativa, através de suas diretrizes e práticas, na qual um dos principais objetivos é a proteção aos investidores e credores.Com o objetivo de suprir essa carência de proteção dos investidores e diminuir o lapso de informação existente entre as empresas e os investidores, a Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&F Bovespa) criou os níveis diferenciados de governança corporativa, aos quais as empresas de capital aberto podem aderir de forma contratual, de acordo com as práticas que elas utilizam.Essa busca pela legitimidade se baseia em um processo intertemporal de construção de confiança, com uma maior garantia de cumprimento dos contratos, o que pode abrir portas para o uso de capital de terceiros, endividamento. Todavia, pode-se perceber diferentes visões sobre a relação entre o nível de Governança Corporativa e o grau de endividamento, do ponto de vista de teoria econômica e do ponto de vista da concentração de propriedade.Neste sentido, o objetivo geral deste trabalho é analisar a possível relação entre o nível de endividamento das empresas e a adoção de práticas de Governança Corporativa, através da comparação entre as empresas listadas nos níveis diferenciados de governança corporativa e as listadas no Mercado Tradicional da BM&F Bovespa.
Base da plataforma terica: A Governança Corporativa surgiu no Brasil como forma de suprir uma necessidade de maior proteção, sobretudo aos investidores, visto a carência de leis regulamentadoras específicas. No contexto brasileiro as empresas não raramente possuem estruturas familiares até hoje, e, assim, as companhias abertas geralmente possuíam controle concentrado nas mãos de poucos donos, o que impulsionou a expansão do limite para emissões de ações preferenciais, e restringiu as funções da Comissão de Valores Imobiliários (CVM). Entretanto, a melhoria, segundo Carvalho (2002), veio nos anos de 1990, quando alguns fatos, como participação ativa dos investidores institucionais e a internacionalização das negociações, fizeram emergir a preocupação com a governança.
Neste sentido, em dezembro de 2000, a BM&F Bovespa criou os níveis diferenciados de governança corporativa como forma de incentivar as boas práticas de governança corporativa no mercado de capitais, funcionando de forma adicional à legislação brasileira. Segundo a BM&F Bovespa, esses segmentos estão adequados aos diferentes perfis de empresas brasileiras e prezam por rígidas regras de governança corporativa que vão além das obrigações que as companhias têm perante a Lei das Sociedades por Ações (Lei das S.As.) e têm como objetivo melhorar a avaliação das companhias que decidem aderir, voluntariamente, a um desses níveis de listagem.
No que trata-se do endividamento, duas interpretações podem existir: a primeira é que, no caso das empresas com boas práticas de Governança Corporativa, situação na qual acredita-se que haja uma menor assimetria de informação, as empresas poderiam reduzir a busca por recursos externos, por reduzir a possibilidade de seleção adversa, havendo uma relação negativa entre a boa governança e o endividamento. Contudo, as empresas com Governança Corporativa, porém com poucas práticas da mesma, seriam direcionadas a busca por outras fontes de financiamento, como forma de desvio da possível desvalorização dos seus papéis, gerando uma relação positiva entre a Governança e o grau de endividamento.
Uma explicação trazida por Silveira, Perobelli e Barros (2008), é que a qualidade da Governança Corporativa pode influenciar as decisões de financiamento visto que as empresas com melhor governança possuem condições mais vantajosas para captar recursos externos. Assim, com a adesão aos níveis diferenciados de governança corporativa, espera-se que a empresa obtenha diversos benefícios, inclusive aos associados à possibilidade de formação de reputação. Esses benefícios poderiam interferir até mesmo na estrutura de capital das empresas de diversas formas, como aumentando a possibilidade de captação de capital de terceiros (Silveira, Perobelli e Barros, 2008).
Sirqueira, Kalatzis e Toledo (2007) assinalam que o mercado brasileiro é caracterizado pelo financiamento de curto prazo, sendo deficiente na habilidade de captar recursos de longo prazo. Os autores afirmam que “no início da década de 70 o governo incentivou o desenvolvimento do mercado de capitais nacional através de incentivos fiscais tanto para as empresas que ofertassem ações quanto para os investidores que privilegiassem o longo prazo”, todavia, o ‘choque do petróleo’ e a alta comercialização de ações preferenciais que facilita a concentração de propriedade e eleva o custo de captação de recursos devido ao risco sofrido pelos acionistas minoritários, inibiram este incentivo.
Mtodo de investigao: Neste estudo, analisou-se os dados obtidos a partir do banco de dados da Economatica® e informações disponibilizadas no site da BM&FBOVESPA através da utilização de softwares estatísticos. A amostra consistiu de todas as empresas não financeiras, com ações listadas na Bolsa de Valores do Estado de São Paulo – BM&FBOVESPA, abrangendo os anos de 2008 a 2012. O período inicial escolhido foi o ano de 2008 por se tratar de um período pós-crise, enquanto o ano limite foi escolhido pelo reduzido número de empresas com todas as informações constantes para o ano de 2013.
Para que se pudesse analisar a diferença entre as médias de endividamento dos grupos (quatro níveis de governança corporativa), pretendeu-se utilizar a análise de variância (ANOVA), que, de acordo com Bakke, Leite e Silva (2008), é o tipo mais comum de procedimento univariado para comparação de três ou mais populações.
Entretanto, o método da ANOVA pressupõe normalidade e homogeneidade dos resíduos da amostra. Neste sentido, para verificação do pressuposto da homogeneidade foi realizado o teste de Levene com os dados separados por ano, que rejeitou esse pressuposto na variância dos grupos em todos os anos.
O pressuposto da normalidade foi testado através do teste de Shapiro-Wilk, e também foi quebrado para todos os anos, para todos os tipos de endividamento (p-value < 2.2e-16). Desta forma, para análise das diferenças de endividamento entre os segmentos da BM&F Bovespa citados nesta pesquisa, foi utilizado o teste de análise de variância proposto por Kruskall e Wallis (1952), o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis com comparações múltiplas (K-W), que se trata de um dos testes não paramétricos mais utilizados quando estão em comparação três ou mais grupos independentes e cuja variável deve ser de mensuração ordinal (Siegel e Castellan, 2006).
Para a segunda análise (comparação entre o Mercado Tradicional e o Novo Mercado), foi utilizado um teste não-paramétrico de amostras independentes, visto que os grupos passaram por pequenas variações entre os anos (mudanças de níveis por parte das empresas), que foi o teste U de Mann-Whitney.
Resultados, concluses e suas implicaes: Pode-se observar que o segmento que apresentou maior dispersão em todos os anos foi o Tradicional, onde o desvio padrão apresentou valores elevados para os três tipos de endividamento, indicando que os níveis de endividamento variaram mais nesse segmento. Ademais, verificou-se que o segmento Tradicional também foi o que apresentou as maiores médias de endividamento, o que corrobora com os estudos de Silva, Santos e Almeida (2011), Vieira, Velasquez, Losekann e Ceretta (2011) e Carnauba, Santos e Tumelero (2010), e com as ideias de Carvalhal da Silva (2004). Isto também corrobora com a ideia da dívida como forma de controle, na relação de agência, e com a ideia de que uma menor assimetria de informação reduziria a seleção adversa nas empresas com boa governança e faria com que as mesmas acionassem dívidas em menor quantidade.
Com a realização do teste de Kruskal-Wallis para o ano de 2008, observou-se que ao nível de significância de 5% rejeitou-se a hipótese de igualdade dos níveis de endividamento para todos os três tipos de endividamento, onde, observando-se de forma complementar a análise descritiva, o mercado tradicional apresentou endividamento médio com valores bastante superiores aos encontrados para os outros segmentos. No ano de 2009, a hipótese de igualdade entre os grupos foi rejeitada para o endividamento a curto prazo e para o endividamento total, porém não houve rejeição para o endividamento de longo prazo. Considerando-se um nível de significância de 10%, pode-se afirmar que para o ano de 2010 houve diferença significante entre os grupos, mais uma vez no que se refere ao endividamento total e ao endividamento a curto prazo e no ano de 2011 foi encontrada diferença significativa entre nos grupos com relação às mesmas variáveis. Por fim, para 2012, encontrou-se diferença significativa ao nível de 10% para o endividamento total.
Nos anos de 2010 e 2011, destaca-se a diferença encontrada com relação ao endividamento de curto prazo que pode ser explicada com base nas ideias de Sirqueira, Kalatzis e Toledo (2007), das quais infere-se que as empresas do Mercado Tradicional possuem dificuldades em captar crédito de longo prazo, recorrendo em abundância a recursos de curto prazo, o que pode ter favorecido o maior endividamento deste nível em todos os anos estudados, isto está de acordo com as explicações de Sirqueira, Kalatzis e Toledo (2007).
A não rejeição da hipótese de igualdade entre os grupos para o endividamento a longo prazo, nos anos de 2009 a 2012, e para o endividamento de curto prazo no ano de 2012, pode significar que as empresas não aumentam seus níveis de endividamento ao entrar em níveis diferenciados de Governança Corporativa, mantendo a dívida como forma de disciplinar os gestores, conforme o colocado por Silva, Santos e Almeida (2011). Estes resultados estão em conformidade com o encontrado por Vieira, Velasquez, Losekann e Ceretta (2011) e Carnauba, Santos e Tumelero (2010).
A não rejeição da hipótese de igualdade entre os grupos para alguns anos vai de encontro ao exposto por Silveira, Perobelli e Barros (2008), que encontraram que a adesão a práticas de governança corporativa provoca aumento no endividamento das empresas devido a alavancagem.
Contudo, as médias de endividamento indicam que o nível que mais recorre a dívidas é o Mercado Tradicional, sendo que quando comparados apenas este segmento com o Novo Mercado esta diferença fica ainda mais evidente.
Os resultados encontrados indicam que a adesão aos níveis diferenciados de governança corporativa provoca mudanças nos níveis de endividamento das empresas em relação às empresas listadas no mercado tradicional, de forma que não rejeita-se a possibilidade de que haja diferença entre o nível de endividamento das empresas listadas no mercado tradicional e o das listadas nos níveis diferenciados de governança corporativa da BM&F Bovespa. Vale salientar que os resultados encontrados são válidos para o período e a amostra analisada.
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