Resumo:
Propsito do Trabalho:
ENSAIO TEÓRICO
A epistemologia tem, entre suas atribuições, um importante papel de vigilância da qualidade da produção científica. Esta tarefa é posta em prática pela própria comunidade científica, quando pesquisadores das diversas áreas do conhecimento julgam a produção por meio da aceitação (ou não) do que deve ser disseminado nos eventos e periódicos especializados. A revisão pelos pares, de certa maneira, garante validade externa ao conhecimento científico, ou seja, é o reconhecimento da comunidade científica de que aquele conteúdo atende aos requisitos estabelecidos pelos próprios cientistas para ser caracterizado como ciência. A qualidade na pesquisa contábil passa também pela avaliação dos pares, a quem cabe o julgamento do percurso de desenvolvimento da pesquisa, bem como de reconhecer a robustez e relevância dos achados. Este ensaio busca apresentar uma discussão sobre elementos para reflexão na avaliação da qualidade de uma boa pesquisa que influenciam no processo de construção da produção científica. O termo qualidade neste ensaio se refere à adequação entre os objetivos da investigação e o desenho e características de implementação do estudo, como proposto por Valentine (2009). A discussão envolve elementos como: a influência das tradições de pesquisa (paradigmas), os domínios da investigação propostos por Brinberg & McGrath (1985), os grupos de atores envolvidos na avaliação da pesquisa e seus interesses, bem como o desafio de buscar indicadores e critérios para avaliação da qualidade da produção acadêmica, além de atributos de qualidade apresentados na literatura que podem colaborar no julgamento da pesquisa contábil.
Base da plataforma terica:
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A pesquisa se constitui em uma importante atividade no âmbito das instituições de ensino superior, com o propósito de desenvolver e/ou aperfeiçoar técnicas e estratégias de trabalho e ação nos diversos ramos de atividade, além de constituir-se como algo fundamental para o avanço do conhecimento e construção de soluções para os problemas sociais.
O ambiente institucional de pesquisa no Brasil estabelece padrões mínimos de produtividade, a exemplo das exigências da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) aos docentes vinculados aos programas de pós-graduação stricto sensu, como também das agências de fomento nas concessões de auxílios aos pesquisadores.
Se por um lado esta cobrança incentiva a produção científica nas diversas áreas do conhecimento, por outro, a necessidade de alcançar metas de produtividade pode trazer como efeito a diminuição da qualidade do conhecimento produzido, isto é, no afã de tornar público os resultados de pesquisas desenvolvidas, os cuidados com o rigor científico e a relevância terminam por ficar em segundo plano. Tal situação justifica a realização de estudos que analisem a qualidade da produção científica no país.
Em nível internacional podem-se destacar estudos sobre a pesquisa contábil na visão do progresso, definido como inovação e relevância (Reiter e Williams, 2002), a pesquisa experimental em contabilidade financeira, com o quadro de validade preditiva de Libby, Bloomfield e Nelson (2002), bem como diferentes abordagens na pesquisa em contabilidade gerencial (Baxter e Chua, 2003). No Brasil, estudos de caráter epistemológico centrados em abordagens bibliométricas têm demonstrado aspectos da trajetória metodológica evidenciada em teses e outras publicações nos principais periódicos e eventos (Theóphilo & Iudícibus, 2005; Mendonça Neto, Riccio & Sakata, 2009; Miranda, Azevedo & Martins, 2011). Outros têm abordado a questão ética na pesquisa na área (Andrade, 2011; Antunes et al, 2011).
Para além da caracterização bibliométrica feita com base em relatórios e publicações, a pesquisa deve ser refletida em todo o seu processo de construção e desenvolvimento, desde a concepção inicial do tema a ser investigado, até o relatório submetido à difusão científica. Nesse sentido, é preciso compreender as práticas que podem proporcionar cientificidade e adequabilidade a tais estudos. Outras áreas do conhecimento, a exemplo da Medicina (Kalichman & Plemmons, 2007; Davies & Dodd, 2002) e Educação (Hostetler, 2005) já exploram o conceito de práticas de boa pesquisa nas suas investigações.
Mtodo de investigao:
Shamoo & Resnik (2003, p. 39) conceituam as práticas de boa pesquisa como regras que os investigadores podem seguir para ajudar a garantir a qualidade, objetividade e integridade dos dados. Para Denscombe (2007) o conceito de boa pesquisa está associado à escolha de estratégias definidas como “adequadas à finalidade”, isto é, algumas estratégias são mais adequadas do que outras para buscar respostas às questões de pesquisa. Na opinião do autor o aspecto crucial para uma boa pesquisa é que as escolhas sejam razoáveis e que estejam explicitadas como parte de qualquer relatório de pesquisa.
A definição do método a ser escolhido para responder à questão de pesquisa, entretanto, é fortemente influenciada pela ontologia e epistemologia do paradigma (ou tradição de pesquisa) adotado pelo pesquisador (Guba & Lincoln, 1994; Pozzebon, 2004).
Na busca de definir qualidade da pesquisa, Valentine (2009, p. 130) afirma que a resposta à pergunta “quais são as características de um estudo de alta qualidade?” depende, em parte, de porque o julgamento está sendo feito, pois diferentes interessados a atribuem diferentes significados. O autor enfatiza que usa o termo qualidade para se referir à adequação entre os objetivos do estudo e o desenho e características de implementação do estudo.
Os atributos de uma boa pesquisa, portanto, envolvem todo o processo de construção da pesquisa, ou seja, a boa pesquisa está focada nos fundamentos e práticas adequados a uma investigação científica, a fim de alcançar a resposta mais apropriada ao problema proposto.
O propósito deste ensaio é apresentar uma discussão sobre elementos para reflexão na avaliação da qualidade de uma boa pesquisa que influenciam no processo de construção da produção científica, notadamente em Ciências Contábeis.
Do ponto de vista prático, este estudo se justifica pela importância da compreensão e análise das práticas de produção científica, com o propósito de avaliar a qualidade da pesquisa. Pode contribuir para redirecionar ações, redefinir práticas e estratégias metodológicas, bem como para facilitar o financiamento de pesquisas na área em função de uma maior aceitabilidade da produção pela comunidade científica.
Resultados, concluses e suas implicaes:
Ser vigilante com a qualidade da produção científica é uma das tarefas da epistemologia. Deve-se ressaltar que há uma defesa de que esta vigilância seja feita pelos pesquisadores da própria área do conhecimento, por dominarem mais profundamente o que é discutido e, assim, poderem avaliar com maior profundidade tanto os aspectos metodológicos como os específicos do campo do saber.
Como se destacou com base na literatura, é inadequado utilizar elementos de diferentes tradições de pesquisa para julgar a qualidade do que se produz, ou seja, utilizar elementos de uma tradição para avaliar um trabalho construído com base em outra. Isto pode influenciar sobremaneira a forma como se julga a produção na área e levar a erros na revisão de pares também por desconhecimento do avaliador. Este aspecto pode comprometer a qualidade da avaliação porque o que prevalece em cada tradição de pesquisa são seus próprios pressupostos, que se diferem ontológica e epistemologicamente.
Outro ponto a considerar, que pode ser decisivo na aceitação de um conteúdo para publicação, é que periódicos assumem um alinhamento com determinada tradição de pesquisa. Cabe ao pesquisador considerar este aspecto ao selecionar um periódico para submissão que esteja em sintonia com a tradição de pesquisa na qual o seu estudo se baseia.
Um ponto para reflexão adicional é que a baixa cientificidade em estudos de determinada do conhecimento pode estar associada ao uso de teorias inadequadas para sustentar a análise do fenômeno estudado, por ter por base um paradigma distinto daquele ao qual a teoria está relacionada. Isto justifica a necessidade de oferta de disciplinas que abordem conhecimentos filosófico, sociológico e epistemológico da ciência no processo de formação de pesquisadores nas diversas áreas, inclusive na área contábil.
Referncias bibliogrficas:
Amin, M, & Mabe, M. (2007). Impact factors: use and abuse. Perspectives in Publishing, n. 1, oct. 2000. Reissued with minor revisions October.
Andrade, J. X. (2011) Má conduta na pesquisa em ciências contábeis. 123 f. Tese (Doutorado em Ciências Contábeis: controladoria e contabilidade) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo.
André, M. (2001) Pesquisa em educação: buscando rigor e qualidade. Caderno de pesquisa. n. 113 p. 51-64, jul. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/cp/n113/a03n113.pdf>. Acesso em: 04 mai. 2012.
Antunes, M. T. P., Mendonça Neto, O. R. de, Oyadomari, J. C. T, & Okimura, R. T. (2011). Conduta ética dos pesquisadores em contabilidade: diferenças entre a crença e a práxis. Revista Contabilidade & Finanças, 22(57), 319-337.
Baxter, J, & Chua, W. F, (2003) Alternative management accounting research – whence and whither. Accounting, Organizations and Society. v. 28 p. 97–126.
Brinberg, D. (1982) ,"Validity Concepts in Research: an Integrative Approach", in NA - Advances in Consumer Research. Volume 09, eds. Andrew Mitchell, Ann Abor, MI: Association for Consumer Research, Pages: 40-44.
Brinberg, D., & McGrath, J. E. (1985). Validity and the research process. Third printing, 1989. Sage Publications, Newbury Park, Califórnia.
Capes. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. (2012). Comunicado nº 002/2012: área de administração, ciências contábeis e turismo: atualização do webqualis da área. Disponível em: <http://qualis.capes.gov.br/arquivos/avaliacao/webqualis/criterios2010_2012/Criterios_Qualis_2011_27.pdf>. Acesso em: 08 mai. 2012.
Davies, D., & Dodd, J. (2002) Qualitative research and the question of rigor. Qualitative Health Research, Vol. 12 No. 2, February. p. 279-289.
Denscombe, M. (2007) The good research guide: for small-scale social research projects. 3rd ed. London: McGraw-Hill.
Fapesp. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. (2011). Boas práticas científicas. Carta de encaminhamento da Diretoria Científica ao Conselho Superior da FAPESP. Disponível em: <http://www.fapesp.br/6579>. Acesso em 08 jan. 2013.
______. (2012). Código de boas práticas científicas. Disponível em: <http://www.fapesp.br/boaspraticas/FAPESP-Codigo_de_Boas_Praticas_Cientificas_jun2012.pdf>. Acesso em 08 jan. 2013.
Flick, U. (2009). Qualidade na pesquisa qualitativa. Trad. Roberto Cataldo Costa. Consultoria, supervisão e revisão técnica Dirceu da Silva. Porto Alegre: Artmed (Coleção Pesquisa Qualitativa, coordenada por Uwe Flick).
Garfield, E. (1972). Citation analysis as a tool in journal evaluation. Essays of an Information Scientist, Vol 1, p. 527-544, 1962-73. Disponível em: <http://www.elshami.com/Terms/I/impact%20factor-Garfield.pdf>. Acesso em: 04 jul. 2012.
Garfield, E. (1999). Editorials. Journal impact factor: a brief review. CMAJ. Canadian Medical Association, v. 161, n. 8, p. 979-980, oct.
Gephart, R. (1999) “Paradigms and research methods”. Research Methods Forum, Vol. 4 (Summer 1999). Disponível em: http://division.aomonline.org/rm/1999_RMD_Forum_Paradigms_and_Research_Methods.htm
Godoy, A. S. (2005). Refletindo sobre critérios de qualidade da pesquisa qualitativa. Gestão.Org, Universidade Federal de Pernambuco. v. 3, n. 2, mai./ago. 2005. Disponível em: <http://www.ufpe.br/gestaoorg/index.php/gestao/article/viewArticle/136>. Acesso em: 04 mai. 2012.
Guba, E. & Lincoln, Y.S., (1994). Competing paradigms in qualitative research, in Handbook of Qualitative Research, Denzin, N. K., 1994, (105-117).
|
