Resumo: Propsito do Trabalho: O instituto da desaposentação surgiu com a possibilidade que tem o segurado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) brasileiro já aposentado de renunciar ao percebimento do benefício ao cumprir requisitos que lhe proporcione maior valor do provento. Assim, renunciando ao primeiro vínculo, o segurado pode requerer uma nova aposentadoria, o que representaria a revisão do valor do benefício (IBRAHIM, 2011). Até 1994, todas as contribuições sociais vertidas pelo aposentado do RGPS que continuasse trabalhando eram devolvidas ao segurado sob a forma de pecúlio, mas essa possibilidade foi extinta, sendo paga somente aos aposentados que contribuíram para o RGPS até esse ano, quando deixarem efetivamente a atividade laboral. Em 7 de abril de 2010, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado (PLS) n◦ 91, visando permitir a renúncia do benefício da aposentadoria e a possibilidade de solicitação de aposentadoria em nova contagem de tempo de contribuição. Na iminência da aprovação do instituto da desaposentação e seu possível impacto nas contas do RGPS, que já vêm apresentando déficits sucessivos ao longo dos anos, o presente estudo traz a seguinte questão de pesquisa: que impactos o deferimento do instituto da desaposentação sem ônus ao segurado do benefício ATC pode trazer para as despesas do RGPS? Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo avaliar o impacto do deferimento do instituto da desaposentação sem ônus ao segurado nas despesas do RGPS, analisando a concessão irrestrita desse instituto aos beneficiários de aposentadoria por tempo de contribuição (ATC).
Base da plataforma terica: Segundo Zuba (2013), a Previdência Social originada do Sistema de Seguridade Social, que abrange Saúde, Assistência e Previdência, tem por especial finalidade garantir a manutenção da dignidade humana dos indivíduos quando estes estão momentânea ou definitivamente impossibilitados de trabalhar, o que os priva da contraprestação necessária para a garantia da subsistência, que é a remuneração. O RGPS, foco do presente estudo, prevê a existência de uma série de benefícios, dentre os quais a aposentadoria por tempo de contribuição (ATC), que a partir da incidência do fator previdenciário e da inexistência de requisito mínimo de idade desencadeou recorrentes pedidos de desaposentação. O fato é que não há no ordenamento jurídico brasileiro norma que impeça que o segurado do RGPS continue trabalhando após o deferimento do seu pedido de aposentadoria por tempo de contribuição (IBRAHIM, 2011). Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou esclarecendo que o contrato de trabalho não é extinto com o advento da aposentadoria. Dessa maneira, o art. 453, § 2º, da CLT, que previa a dispensa automática do trabalhador em decorrência de sua aposentadoria voluntária, teve sua inconstitucionalidade declarada pelo Plenário da Suprema Corte no julgamento da ADI nº 1.721/DF. Em virtude do disposto no art. 12 da Lei nº 8.2121991, mesmo que requeira voluntariamente sua aposentadoria por tempo de contribuição e continue trabalhando, o trabalhador aposentado deve continuar contribuindo para o RGPS. Tal exigência se justifica em razão do princípio da solidariedade, segundo o qual toda a coletividade deve arcar com o ônus social (BALERA, 2004). Até o ano de 1994, os segurados do RGPS obtinham a restituição das contribuições vertidas após a aposentadoria na forma de pecúlio, porém, com o advento da Lei nº 8.8701994, que extinguiu essa sistemática, este “reembolso” deixou de existir. Com isso, os segurados deixaram de obter a contrapartida das contribuições pós-aposentadoria, razão pela qual passaram a pleitear a revisão dos benefícios. Passou a surgir, então, o entendimento de que a extinção do pecúlio transformou as contribuições previdenciárias pós-aposentadoria em espécie de “confisco”, tendo em vista que nenhuma contraprestação é devida ao segurado (SANCHES e XAVIER, 2010). Dessa maneira, no contexto da situação de continuidade laboral, diante da sensação de perda das contribuições sociais dos aposentados e do desejo de aumento do valor da aposentadoria, dentre outros motivos, houve o surgimento do instituto da desaposentação. Segundo Ibrahim (2011), o instituto da desaposentação representa a possibilidade de o segurado obter um beneficio mais vantajoso. No âmbito do RGPS brasileiro, em razão de sua natureza, o benefício ATC enseja diversos pedidos da desaposentação. Ainda em idade ativa, o aposentado continua trabalhando e contribuindo para o RGPS possibilitando que, anos mais tarde, ao completar novos requisitos, seja gerada a expectativa de um benefício de valor maior. Nesse sentido, o presente estudo busca tratar apenas da concessão irrestrita do instituto da desaposentação aos beneficiários da ATC.
Mtodo de investigao: Para compreender o impacto da desaposentação nas despesas do RGPS, foram realizadas simulações a partir de fontes diretas de dois aposentados por tempo de contribuição (um homem e uma mulher), considerando o ponto ideal de ambos requerer o novo benefício a partir de dados fornecidos pelo IBGE (2012) e dos estudos de Lima (2013) e Zanella et al (2013). De acordo com o AEPS Infologo, base de dados históricos da Previdência Social, em 2011 havia cerca de 4.601.456 benefícios de ATC ativos no RGPS, contra 8.465.050 de benefícios de aposentadoria por idade, totalizando, portanto, 13.066.506 de benefícios ativos passíveis de desaposentação no Brasil. Proporcionalmente, os benefícios de ATC representam 35,22% em relação à quantidade total de benefícios ativos, enquanto que os beneficiários de aposentadoria por idade representam 64,78%. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) (IBGE, 2012), 15,4% dos aposentados acima de 60 anos continuam trabalhando. Dessa forma, aplicando-se o percentual de 15,4% sobre os 13.066.506 de benefícios concedidos pelo RGPS e passíveis de desaposentação (ATC e Aposentadoria por Idade), em relação aos aposentados acima de 60 anos, existe o contingente de 2.012.241 beneficiários de ATC e aposentadoria por idade que continuam a trabalhar. Aplicando-se o percentual de beneficiários de ATC, que representa 35,22% do número total de aposentados pelo RGPS em 2011, sobre esse total, estima-se no presente estudo que atualmente existem no Brasil 708.711 pessoas sujeitas ao pedido de desaposentação na modalidade ATC. A partir dessa base, foi calculado o impacto do instituto da desaposentação das despesas do RGPS, com a realização de simulações a partir de fontes diretas de dois aposentados por tempo de contribuição (um homem e uma mulher), considerando o ponto ideal de ambos requerer o novo benefício a partir de dados fornecidos pelo IBGE (2012) e dos estudos de Lima (2013) e Zanella et al (2013).
Resultados, concluses e suas implicaes: Considerando que havia 509.704 homens e 198.781 mulheres de beneficiários do RGPS na modalidade ATC aptos a requerer o novo benefício, a desaposentação, caso concedida nos moldes apresentados no trabalho, representará um aumento da despesa mensal previdenciária no montante de cerca de 680 milhões de reais. No longo prazo, projetando-se por hipótese que esse benefício será pago aos segurados de forma vitalícia, tendo como base apenas a expectativa de vida por sexo, excluídos os riscos externos, a despesa seria, de forma bruta, de aproximadamente 106 bilhões de reais.Tal situação mostra-se preocupante, uma vez que se aumenta a população inativa, que não continua contribuindo para o sistema, a receita pública será impactada, sobretudo em razão de que a tendência é que as pessoas se aposentem cada vez mais próximo ao teto previdenciário. Em estudo pormenorizado, Lima (2013) demonstrou que o envelhecimento populacional também tende a prejudicar o sistema de financiamento e equilíbrio atuarial do RGPS de forma acentuada ao longo dos anos. Zuba (2013) defende a aplicação do princípio da vedação ao retrocesso no Direito Previdenciário, segundo o qual os direitos concedidos aos segurados não poderão ser abolidos sob pena de se promover um retrocesso. No presente caso, o instituto da desaposentação ainda não está regulamentado. Entretanto, advindo legislação aplicável ao caso, e sendo incorporado o direito, este não mais poderá ser suprimido futuramente, segundo o entendimento doutrinário. Por esse motivo, é muito importante que, antes da regulamentação, sejam estudadas as reais hipóteses que garantirão ao Sistema Previdenciário o correto equilíbrio financeiro. Caetano (2006) sugere a implementação de uma nova reforma previdenciária, que viesse a modificar as regras da aposentadoria por tempo de contribuição, de forma a evitar as aposentadorias precoces. Também há a discussão acerca da extinção do fator previdenciário. Inclusive, atualmente tramita no Congresso Nacional o PL nº 3.299/2008, que visa ao fim do redutor de aposentadorias em razão da idade, e a extinção do fator previdenciário seria uma saída para os recorrentes pedidos de desaposentação. Ademais, conforme Lima et al (2012), o fator previdenciário não atingiu seus objetivos, sendo um instrumento que somente contribui para a aglomeração de ações de desaposentação no Judiciário. Abrindo mais uma possibilidade, o estudo mostra que caso o Governo brasileiro opte por devolver aos segurados aposentados todas as contribuições vertidas após a aposentadoria, esse valor representaria, no total bruto, ainda sem atualização monetária, a quantia de 6 bilhões de reais, referente a homens e mulheres, surgindo uma importante discussão sobre a extinção do pecúlio instituída pela Lei 8.870 em 1994. Sendo assim, a viabilidade de concessão da desaposentação deve ser analisada pormenorizadamente, sendo válido observar as alternativas secundárias que poderiam evitar a concessão do benefício e, posteriormente, aplicá-las ao sistema previdenciário, de forma a não prejudicar o segurado, que continua contribuindo sem qualquer contrapartida, nem tampouco a Previdência Social, de forma a garantir o equilíbrio financeiro e atuarial das contas públicas e a saúde financeira do RGPS, tão importante para garantia dos direitos sociais da população.
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