Resumo: Propsito do Trabalho: Os estudos relacionados temtica de gnero desenvolveram-se consideravelmente no mundo acadmico nos anos 1970, juntamente com a expanso da fora de trabalho das mulheres e do fortalecimento do movimento feminista (Batista & Cacciamali, 2009).
No contexto brasileiro, apesar de a literatura indicar avanos rumo equivalncia de condies entre homens e mulheres no mercado de trabalho (Oliveira, Gaio & Bonacim, 2008), a igualdade de gnero est longe de ser uma realidade (Pereira & Zavala, 2012).
Na rea contbil poucas pesquisas sobre o tema foram publicadas at ento. Contudo, estudos realizados para regies especficas do pas confirmaram a desigualdade entre os gneros. No estado de Santa Catarina, por exemplo, Brighenti, Jacomossi e Silva (2015) identificaram que as mulheres recebem salrio inferior ao dos homens, mesmo quando controlado pelo nvel de escolaridade.
Dessa forma, este estudo busca responder ao seguinte problema de pesquisa: qual o comportamento observado para a desigualdade de gnero no mercado de trabalho contbil brasileiro? Objetiva-se, portanto, analisar o comportamento da desigualdade de gnero presente no setor contbil para as diferentes regies do pas. Adicionalmente, visa-se identificar se, ao longo dos anos, a desigualdade de gnero para esse ramo de atividade se alterou e se o tempo de experincia consegue explicar a diferena salarial de homens e mulheres atuantes no mercado de trabalho contbil.
A justificativa para a realizao dessa pesquisa sustenta-se no fato de, ao se identificar a forma como a desigualdade de gnero se manifesta nas diferentes regies do pas, torna-se possvel atuar na minimizao das desigualdades entre homens e mulheres na rea contbil.
Base da plataforma terica: A teoria do capital humano defende que os indivduos so remunerados no mercado de trabalho de acordo com o investimento que eles realizam em educao, treinamento e em cuidado com a sade. Assim, quanto maior o valor do capital humano de um indivduo, maior a sua empregabilidade, produtividade e rendimento potencial. Contudo, essa abordagem terica, ao priorizar a explicao do funcionamento do mercado pelo lado da oferta de mo de obra, apresenta algumas restries. De acordo com ela, homens e mulheres seriam valorizados de forma diferente apenas em funo de fatores produtivos, como a escolaridade, por exemplo, o que, empiricamente, no se tem comprovado (Santos, 2008).
Nesse contexto, a teoria da discriminao estatstica aparece como alternativa que considera em sua fundamentao terica as deficincias percebidas no mercado de trabalho. De acordo com Teixeira (2008) a teoria da discriminao estatstica comumente usada como um eixo de explicao da segregao ocupacional de grupos minoritrios. Para a pesquisadora, essa teoria considera que os empregadores adotam decises de contratar com base em informaes imperfeitas sobre o futuro da produtividade dos trabalhadores e, objetivando reduzir custos relacionados m contratao, os donos do capital utilizam as caractersticas conferidas ao grupo social ao qual o indivduo pertence para atribuir-lhe valor. Assim, tendo em vista que culturalmente as mulheres so consideradas como menos produtivas e pouco comprometidas com o trabalho, tem-se a segregao profissional de gnero (Santos, 2008, Teixeira, 2008).
Adicionalmente, para Santos (2008), outra abordagem terica capaz de explicar as desigualdades de gnero no mercado de trabalho a teoria do amontoamento (overcrowding). Esse enfoque define que, a grande oferta de mo de obra feminina em determinadas ocupaes gera uma reduo salarial, independentemente dos motivos que levaram ao amontoamento de mo de obra desse grupo de indivduos, tendo em vista a relao entre demanda e oferta de trabalho (Blau & Khan, 2007).
Finalmente, Santos e Oliveira (2010) lembram que a teoria marxista gerou contribuies significativas para o desenvolvimento dos estudos feministas e do entendimento do fenmeno da desigualdade de gnero. De acordo com Santos (2008), o marxismo no valoriza apenas a tica das oportunidades econmicas, interessando-se, tambm, pelas questes histricas de desigualdade ocasionadas pelo sistema capitalista. Nesse cenrio, essa corrente terica ressalta a importncia, na sociedade capitalista, do controle da fora de trabalho feminina na diviso sexual do trabalho, objetivando garantir o papel reprodutivo da mulher e, ao mesmo tempo, garantir a existncia de um exrcito de reserva.
Mtodo de investigao: Este estudo pode ser classificado, quanto aos objetivos, como descritivo, uma vez que busca retratar o comportamento da desigualdade de gnero do mercado contbil das diferentes regies do pas. Quanto aos procedimentos de coleta de dados, o artigo classifica-se como documental, pois utiliza como base de dados as informaes do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). Finalmente, quanto estratgica de anlise de dados, o presente estudo classifica-se como quantitativo, uma vez so utilizados testes estatsticos para se alcanar os objetivos propostos pela pesquisa.
Para essa pesquisa, os dados do CAGED foram coletados no ms de Janeiro de 2016. O presente estudo define como profissional do mercado contbil todos os indivduos registrados no ramo de atividade de Contabilidade, Consultoria e Auditoria Contbil e Tributria, de acordo com a classificao CNAE 2.0 presente no CAGED. Ressalta-se, ainda, que no foco desta pesquisa analisar a desigualdade de gnero dentre os profissionais contadores. Ao contrrio, o estudo est interessado em analisar a eventual existncia de diferenas entre homens e mulheres atuantes nas atividades anteriormente descritas, independentemente da sua formao de origem.
Nesse contexto, compe a base de dados informaes dos profissionais atuantes no mercado de trabalho contbil de todas as capitais do pas mais do Distrito Federal para os anos de 2007 a 2015, por gnero. As variveis utilizadas pelo estudo so o salrio mdio e o tempo mdio de experincia dos trabalhadores das regies analisadas.
As informaes relacionadas ao salrio mdio foram corrigidas pelo ndice Nacional de Preos ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado mensalmente pelo IBGE. O objetivo dessa correo possibilitar a comparao de valores monetrios de perodos diferentes, ou seja, objetiva-se descontar o efeito inflacionrio existente no mercado brasileiro durante o perodo abrangido pelo estudo. No total, a base de dados formada por 243 observaes para os gneros masculino e feminino.
O tratamento dos dados foi composto por anlises descritivas, anlise de correlao e testes de mdias. Para a estimao da correlao e dos testes de mdias das variveis analisadas pelo estudo, utilizou-se o software Stata12. A escolha do melhor teste de mdias para as variveis se deu aps o teste a realizao do teste de Shapiro-Wilk.
Resultados, concluses e suas implicaes: A primeira evidencia alcanada pelo estudo foi a de que a diferena salarial entre homens e mulheres inseridos no mercado de trabalho contbil reduziu de 2007 para 2015 em todas as regies do pas. Essa evidncia encontra respaldo na literatura e segue o comportamento observado para todo o mercado nacional. No obstante, o resultado do teste de mdia no paramtrico permitiu afirmar que, mesmo em meio melhoria verificada, as mulheres atuantes nesse ramo de atividade recebem menos que os seus pares do gnero masculino, principalmente, nas regies Sudeste e Sul do pas. Em contrapartida, a regio Norte aquela que apresenta a menor desigualdade salarial entre os gneros sendo que, para alguns anos, o salrio feminino chegou a ser maior do que o masculino. Adicionalmente, cabe destacar que mesmo para as regies onde a desigualdade salarial apresentou maiores diferenas entre os perodos analisados, o gap de remunerao entre os gneros foi menor do que a verificada por pesquisas anteriores realizadas para outros ramos de atividade, como a Administrao, por exemplo.
A diferena salarial poderia ser explicada, em parte, por fatores de produtividade, conforme define a teoria econmica ortodoxa. Contudo, no presente estudo, as anlises realizadas para a varivel relacionada ao tempo mdio de trabalho, que um dos fatores que interferem na produtividade, mostrou que o aumento da experincia no explicou significativamente o salrio dos profissionais atuantes no setor contbil. Porm, quando se analisou o impacto da experincia por gnero foi possvel notar que ela menos significativa para o salrio das mulheres do que dos homens. Alm disso, a partir o teste de mdia realizado para a varivel relacionada ao tempo mdio de trabalho, foi possvel constatar que homens e mulheres no apresentam diferenas estatsticas com relao ao tempo de experincia no mercado de trabalho.
Nesse contexto, os resultados encontrados lanam fortes indcios de que as diferenas apuradas para todas as regies do pas devem-se, sobretudo, discriminao sofrida pelas mulheres no mercado de trabalho. Conforme preconiza a teoria econmica heterodoxa, os empregadores atribuem valor aos indivduos inseridos no mercado de trabalho de acordo com convenes sociais existente sobre determinados grupos. Nesse cenrio, como socialmente so atribudos valores negativos para as mulheres em relao a sua atuao no mercado de trabalho, tem-se a desigualdade de gnero como uma consequncia direta de uma errnea interpretao de valor em funo de preconceitos enraizados na sociedade.
Tendo em vista os achados da pesquisa, sugere-se, para futuros estudos, que a desigualdade de gnero no mercado contbil seja analisada para um contexto maior de municpios brasileiros. Assim, ser possvel compreender se o comportamento da diferena salarial entre homens e mulheres encontrados por este estudo, que utilizou apenas informaes das capitais dos estados brasileiros e do Distrito Federal, se mantm ao se considerar uma gama maior de observaes.
Referncias bibliogrficas: Batista, N. N. F. & Cacciamali, M. C. (2009). Diferencial de salrios entre homens e mulheres segundo a condio de migrao. Revista Brasileira de Estudos de Populao, 26(1), 97-115.
Blau, F. D. & Kahn, L. (2007). The gender pay gap: have woman gone as far as they can?. Academy of Management Perspectives, 21(1), 7-23.
Brighenti, J., Jacomossi, F. & Silva, M. Z. (2015). Desigualdade de gnero na atuao de contadores e auditores no mercado de trabalho catarinense. Enfoque: Reflexo Contbil, 34(2), 109-122.
Oliveira, A. R., Gaio, L. E. & Bonacim, C. A. G. (2009). Relao de gnero e ascenso feminina no ambiente organizacional: um ensaio terico. Revista de Administrao da UFSM, 2(1), 80-97.
Pereira, R. S. & Zavala, A. Z. (2012). Educao e rendimentos do trabalhador no Brasil: desafio de um cenrio de transformaes. Si Somos Americanos Revista de Estudios Transfronterizos, 12(2), 203-227.
Santos, J. A. F. (2008). Classe social e desigualdade de gnero no Brasil. Dados, 51(2), 353-402.
Santos, S. M. M. & Oliveira, L. (2010). Igualdade nas relaes de gnero na sociedade do capital: limites contradies e avanos. Revista Katlysis, 13(1), 11-19.
Teixeira, M. O. (2008). Desigualdades salariais entre homens e mulheres a partir de uma abordagem de economistas feministas. Revista Gnero, 9(1), 31-45.
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