Resumo: Propsito do Trabalho: A introdução de novos métodos e critérios contábeis no Brasil acarretou importantes mudanças na mensuração de ativos e passivos, bem como de receitas e despesas das pessoas jurídicas, afetando diretamente o lucro contábil utilizado como ponto de partida para o cálculo do IRPJ e da CSLL.
A fim de neutralizar o impacto que seria causado no resultado fiscal, em função das novas regras contábeis, foi instituído o Regime Tributário de Transição (RTT). Por meio dos valores dos ajustes do RTT, informados na DIPJ, e com a utilização do índice de Gray (1980), foi possível verificar o impacto das novas normas contábeis no resultado contábil das pessoas jurídicas.
Pesquisas anteriores revelaram que os efeitos da adoção das IFRS apresentam resultados cambiantes no Brasil e na Europa. A fim de proporcionar contribuição adicional aos estudos já realizados, este trabalho teve como objetivo principal analisar o impacto causado pelas normas internacionais de contabilidade no resultado contábil das pessoas jurídicas no Brasil nos anos de 2008 a 2011.
Adicionalmente, foram traçados os seguintes objetivos secundários: (i) constatar se há diferença significativa entre os resultados contábeis apurados sob os dois conjuntos normativos; (ii) analisar o quantitativo de pessoas jurídicas que, em função dos efeitos das normas internacionais, tiveram o resultado contábil modificado de lucro para prejuízo ou vice-versa.
A amostra contou com 8.080 observações e os resultados encontrados poderão servir à comunidade acadêmica, aos órgãos reguladores e fiscalizadores e a diversos profissionais, como auditores, analistas financeiros, contadores, avaliadores de empresas e demais interessados nos efeitos da adoção das normas internacionais de contabilidade no Brasil.
Base da plataforma terica: As pesquisas relacionadas ao impacto da adoção das normas internacionais de contabilidade realizadas nos países da Europa e no Brasil apresentam resultados variantes.
Em geral, na Europa foi constatado que os princípios contábeis locais são mais conservadores ao serem comparados às normas internacionais, como mostraram os estudos de Beckman, Brandes and Eierle (2007), em relação à Alemanha; Bellas, Toudas and Papadatos (2007), em relação à Grécia; Cordazzo (2008), em relação à Itália; Costa (2008) e Silva, Couto and Cordeiro (2009), em relação a Portugal; e Haverals (2007), em relação à Bélgica, República Checa, França, Alemanha, Letônia, Países Baixos, Polônia e Reino Unido.
Adicionalmente, Hung and Subramanyam (2007) encontraram fracas evidências de que na Alemanha os resultados de acordo com as IAS são mais conservadores.
Contudo, essa conclusão não foi unânime. Na pesquisa de Callao, Jarne and Laínez (2007) verificou-se que as IFRS evidenciaram uma política contábil mais conservadora na Espanha. Além disso, Eberhartinger and Klostermann (2006) verificaram que, na Áustria, se as IFRS fossem adotadas para fins fiscais não haveria mudanças tão dramáticas. Em complemento, Horton and Serafim (2010) constataram que o impacto das IFRS acarretou ajustes positivos e negativos nos resultados das empresas no Reino Unido.
No Brasil, o efeito no resultado contábil, verificado na fase inicial de transição (2008), foi menos otimista quando aplicadas as normas internacionais de contabilidade, como ressaltaram os estudos de Grecco, Geron e Formigoni (2009), Furuta, Bispo e Vieira (2010), Santos e Calixto (2010) e Nascimento (2012).
Essa constatação surpreendeu, pois a maioria das pesquisas realizadas, em relação aos países da UE, mostrou exatamente o inverso. Contudo, essa conclusão pode ter sido contaminada pelos efeitos da crise financeira internacional ocorrida em 2008, como destacaram Santos e Calixto (2010), que, ao isolar o efeito da crise, verificaram aumento nos resultados contábeis apurados de acordo com as normas internacionais. Esse aumento também foi percebido por Braga, Araújo, Macedo e Corrar (2011), embora não tenha apresentado significância estatística.
Em relação à fase final da convergência no Brasil (2010), o efeito no resultado contábil foi o oposto ao ocorrido na fase inicial, isto é, as normas internacionais proporcionaram um aumento nos resultados contábeis, como demonstraram as pesquisas de Santos (2011), Mello (2011) e Nascimento (2012).
Nesse cenário, com esta pesquisa pretende-se analisar o impacto que as normas internacionais de contabilidade (IFRS) provocaram nos resultados contábeis de 2008 a 2011, apurados pelas pessoas jurídicas, segundo os métodos e critérios contábeis vigentes no Brasil em 31.12.2007 (BRGAAP).
Em outras palavras, o impacto é mensurado diretamente entre o padrão contábil anterior e o novo padrão (convergência total), diferentemente de outras pesquisas brasileiras que mostraram a diferença entre o padrão contábil anterior e o padrão intermediário (convergência parcial) e entre esse e o padrão atual (convergência total).
Para atingir o objetivo, utilizaram-se as informações da DIPJ, notadamente, a que se refere ao saldo do ajuste do RTT, que, em síntese, corresponde ao valor líquido (positivo ou negativo) dos lançamentos de receitas e de despesas que devem ser neutralizados no resultado fiscal.
Mtodo de investigao: Os dados utilizados foram extraídos das DIPJ de 2008 a 2011 apresentadas pelas pessoas jurídicas que apuraram os tributos pelo lucro real e estavam submetidas ao acompanhamento diferenciado realizado pela RFB. O acesso ao banco de dados foi formalmente autorizado, assim como sua divulgação por meio de dados agregados.
Depois de coletadas as observações, foram excluídas as pessoas jurídicas que: não optaram pelo RTT; apresentaram ajuste do RTT igual a zero; se enquadram na seção K da CNAE; informaram período de apuração menor que um ano e apresentaram resultado contábil em BRGAAP igual a zero (denominador do índice). No tratamento dos outliers, recorreu-se ao conceito de média aparada, para excluir as extremidades localizadas abaixo de 1% e acima de 99% das observações. Com esses procedimentos, a amostra final ficou composta por 8.080 observações.
Empregou-se o índice de Gray (1980), para cada uma das pessoas jurídicas da amostra, para mensurar a variação do resultado contábil sob os dois conjuntos normativos em cada ano (cross section). Além disso, foram utilizados os ajustes do RTT, cujo saldo da DIPJ corresponde à diferença entre o resultado contábil apurado com as regras anteriores (BRGAAP) e o resultado contábil apurado com base nos novos procedimentos (IFRS), como se lê a seguir:
Ajustes do RTT = RCBRGAAP – RCIFRS
Deste modo, o ajuste do RTT substituiu no numerador do índice de Gray a diferença entre o resultado contábil em BRGAAP e em IFRS, apresentando a seguinte composição:
IGAc = 1 – (Ajustes do RTT/|RCBRGAAP|)
Onde:
IGAc: índice de Gray ajustado;
RCIFRS: resultado contábil apurado considerando as IFRS adotadas no Brasil;
RCBRGAAP: resultado contábil apurado de acordo com os métodos e critérios contábeis vigentes em 31.12.2007.
Para análise dos IGAc, fez-se a distribuição dos índices em nove classes com intervalos diferenciados entre si, como proposto por Costa (2008). Em seguida, foram aplicados os testes t de Student e de Wilcoxon. Para ambos os casos, assumiu-se para as seguintes hipóteses nula e alternativa para a média dos índices:
H0: µIGAc ≤1, significa que os RCIFRS ≤ RCBRGAAP;
H1: µIGAc >1, significa que os RCIFRS > RCBRGAAP.
Por fim, analisou-se o número de pessoas jurídicas que, em função dos efeitos das normas internacionais, tiveram o resultado contábil modificado de lucro para prejuízo ou vice-versa.
Resultados, concluses e suas implicaes: A aplicação do teste t, cuja hipótese de normalidade foi relaxada (amostra>100 observações), e do teste de Wilcoxon confirmaram a significância estatística dos resultados apurados. Com isso, foi rejeitada a hipótese nula de que a média dos IGAc é igual ou menor a um.
Em termos percentuais, o IGAc reflete o quão distante está o resultado contábil em IFRS do resultado contábil em BRGAAP. De acordo com os resultados apurados, verifica-se que em todos os anos o resultado contábil aumentou quando submetido às IFRS. A metodologia utilizada permitiu medir esse aumento diretamente entre o padrão contábil anterior e o novo padrão adotado em cada ano estudado.
Em 2008, o aumento médio no resultado contábil sob os efeitos das IFRS correspondeu a 14,08%. Em 2009, verificou-se o maior aumento dos quatro anos, com alta de 49,51%. Na fase final do processo de convergência, o aumentou foi em média de 40,44% e 27,53%, respectivamente, em 2010 e 2011.
O súbito crescimento em 2009 pode estar associado à recuperação econômica das pessoas jurídicas, devido aos efeitos da crise internacional de 2008, e à neutralidade fiscal na adoção das IFRS garantida de forma mais segura em 2009. Por outro lado, o movimento descendente ocorrido em 2010 e 2011 pode ser explicado pela estabilização dos efeitos da adoção das IFRS, como destacaram Martins e Paulo (2010).
Em 2008, o aumento verificado no resultado contábil vai de encontro com as pesquisas realizadas sobre o processo de convergência no Brasil que acenaram para resultados pessimistas quando utilizadas as práticas internacionais, como divulgaram Grecco et al. (2009), Furuta et al. (2010), Santos e Calixto (2010) e Nascimento (2012). Por outro lado, o aumento abrupto de 2009 também foi constatado por Mello (2011).
Na fase final do processo de convergência (2010/2011), o impacto positivo no resultado contábil causado pelas IFRS, confirmam os achados de Mello (2011) e Nascimento (2012), assim como a expectativa de Santos e Calixto (2010) e de Santos (2011).
O aumento do resultado contábil ocorrido no Brasil alinha-se com a maior parte dos achados sobre o impacto da adoção das IFRS na Europa, como verificado por Beckman et al. (2007), Bellas et al. (2007), Cordazzo (2008), Costa (2008) e Silva et al. (2009).
A análise da distribuição de frequência dos índices revelou que, na fase inicial da convergência (2008/2009), as observações se concentraram no grupo de efeito neutro (0,95 ≤ IGA < 1,05), enquanto que, na fase final da harmonização dos procedimentos (2010/2011), o quantitativo de observações foi praticamente o mesmo nos grupos de efeito neutro e de efeito positivo (IGA ≥ 1,05).
Apesar da aparente concentração dos IGAc nas classes entre 0,95 e 1,05, a mudança foi em média significativa ao nível de 5%, confirmando o impacto positivo e significativo da adoção das IFRS sobre o resultado contábil.
Por fim, a análise dos sinais do resultado contábil permite concluir que as IFRS foram responsáveis pela mudança de lucro para prejuízo em cerca de 1% das pessoas jurídicas em cada ano estudado. Por outro lado, o prejuízo em BRGAAP se transformou em lucro em IFRS em aproximadamente 3% a 4% das pessoas jurídicas.
No entanto, a maioria das pessoas jurídicas manteve o mesmo sinal do resultado contábil sob os dois conjuntos normativos, isto é, quem apurou prejuízo assim permaneceu (20% a 29% das observações) e quem apurou lucro permaneceu com lucro (67% a 75%).
Em suma, os achados apontam para urgência quanto à instituição de um regime tributário definitivo que se posicione em relação aos efeitos fiscais das novas práticas contábeis, como, atualmente, dispõe a MP nº 627/13.
Isso porque a combinação da neutralidade fiscal garantida pelo RTT e a isenção tributária da distribuição de dividendos pode criar uma situação em que a parcela referente ao aumento do resultado contábil em IFRS, tal qual foi constatado nesta pesquisa, seja distribuída aos acionistas sem qualquer tributação de renda.
Além disso, um regime tributário definitivo extinguirá a obrigação de manter registros contábeis com base nas normas de 2007, o que consolidará a adoção das normas internacionais no Brasil e otimizará o trabalho da classe contábil.
Referncias bibliogrficas: Callao, S., Jarne, J. I. & Laínez, J. A. (2007). Adoption of IFRS in Spain: Effect on the comparability and relevance of financial reporting. Journal of Accounting, Auditing and Taxation, 16(2), 148-178.
Costa, J. I. P. (2008). O Impacto da Adopção das IAS/IFRS nas Demonstrações Financeiras das Empresas Cotadas na Euronext Lisboa. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Economia, Universidade do Porto. Porto, Portugal.
Gray, S. J. (1980). The impact of international accounting differences from a security-analysis perspective: Some European evidence. Journal of Accounting Research, 18(1), 64-76.
Macedo, M. A. S., Machado, M. R., Machado, M. A. V. & Mendonça, P. H. C. (2013, jul./set.). Impacto da Convergência às Normas Contábeis Internacionais no Brasil Sobre o Conteúdo Informacional da Contabilidade. REPeC, 7(3), 222-239.
Mello, H. R (2011). Lucros Contábil e Fiscal: efeitos do regime tributário de transição – RTT. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
Santos, E. S. (2011). Full IFRS x Lei 11.638 (1ª fase) x Lei 6.404: Impacto Esperado nos Resultados de 2010 a partir das Empresas que se Anteciparam. Anais do Congresso USP de Controladoria e Contabilidade, São Paulo, SP, Brasil, 11.
Santos, E. S. & Calixto, L. (2010). Impactos do Início da Harmonização Contábil Internacional (Lei 11.638/07) nos Resultados das Empresas Abertas. RAE-eletrônica, 9(1), art. 5. 26 p.
Silva, F. J. F., Couto, G. M. M. & Cordeiro, R. M (2009). Measuring the Impact of International Financial Reporting Standards (IFRS) to Financial Information of Portuguese Companies. Revista Universo Contábil, 5(1), 129-144.
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