Resumo: Propsito do Trabalho: O objetivo deste artigo é fazer uma avaliação atuarial do impacto da implantação do regime de previdência complementar dos servidores públicos da União, por meio da criação do FUNPRESP. Este estudo será realizado através de análise e projeção das receitas e despesas do RPPS da União e do regime complementar de previdência criado, bem como análise e projeção de reservas pelas EFPCs que foram criadas pela Lei 12.618/2012. Com este fim, são utilizados os microdados do cadastro do RPPS do Poder Executivo da União, com os servidores ingressantes após 01/01/2004, com 186.152 registros. Acredita-se ser a primeira vez que esta base é empregada em um trabalho acadêmico.
A Lei 12.618 instituiu o regime de previdência complementar para os servidores da União e limitou o valor dos futuros benefícios concedidos pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) ao teto definido pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) para os futuros servidores. Esta lei definiu a possibilidade de criação de até três Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs), denominadas de Fundação de Previdência Complementar do Serviço Público Federal (FUNPRESP), uma para cada poder da União, para gerir os planos de previdência complementar dos servidores. A lei é o resultado de um longo processo de mudanças na previdência social no Brasil. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os entes federativos foram obrigados a optar por um regime jurídico único para a contratação dos servidores públicos.
Base da plataforma terica: Pode-se afirmar que o risco previdenciário constitui-se basicamente de dois elementos: o risco biométrico e o risco financeiro. Caetano (2008, p. 125) define que o risco biométrico é aquele risco em relação ao tempo, no qual há a incerteza não somente sobre quando um evento como aposentadoria ou pensão irá ocorrer, mas também se este irá ocorrer. Afirma que duas variáveis determinam o risco financeiro: a taxa de juros e a evolução salarial. A taxa de juros é de difícil previsão para um horizonte temporal como o da relação previdenciária, que se estende por décadas. A evolução salarial é desconhecida a priori, não havendo como prever, com certeza, a evolução das contribuições e do valor do benefício a ser pago.
Definidos os dois elementos principais do risco previdenciário é importante verificar como estes dois riscos estão relacionados. Esse compartilhamento dependerá da natureza do sistema previdenciário, que poderá ser do tipo Contribuição Definida (CD) ou Benefício Definido (BD). (Rau & Adams, 2013). Rabelo (2001, p. 11) define da seguinte forma os planos BD e CD:
"Um plano de benefício definido é aquele que possui uma fórmula de cálculo, que permite ao participante saber qual será o valor da aposentadoria (ou outro benefício prometido) em função do tempo de contribuição e da evolução salarial. O valor da aposentadoria é calculado multiplicando um certo fator pelos anos de serviço e por uma média salarial do indivíduo.
Planos de contribuição definida são aqueles nos quais os empregados e empregadores vertem contribuições periódicas para a constituição de um fundo, as quais são contabilizadas individualmente, como se fossem quotas de um fundo de investimento."
Por definição, nos planos do tipo CD os empregados assumem o risco previdenciário, enquanto que nos planos do tipo BD quem assume o risco previdenciário é o empregador, mas na prática os planos de previdência possuem elementos dos dois tipos, o que torna esse risco compartilhado entre empregadores e empregados.
No Brasil, até a promulgação das ECs 20 e 41, a Constituição assegurava aos servidores públicos uma aposentadoria de valor igual à última remuneração recebida, caracterizando assim um plano do tipo BD, na forma pura, com os seus riscos sendo assumidos pelo Estado e, subsidiariamente, por toda a sociedade. A promulgação dessas ECs, combinada com a aprovação da Lei 12.618 criou uma forma híbrida de compartilhamento de risco, onde até o limite máximo de benefício definido para o RGPS o plano de previdência dos servidores é do tipo BD e, para assegurar aposentadoria acima deste teto, o servidor passa a contribuir para um plano de previdência do tipo CD, com coparticipação da União.
Os regimes próprios de previdência para servidores públicos são comuns em vários países, conforme observa Tafner (2011). Na mesma linha, Rabelo (2001, p. 9) argumenta que a razão dessa separação de regime de previdência para servidores públicos é a natureza particular do trabalho dos funcionários públicos, bem como a existência de motivos históricos. Munnell (2012) lembra que nos EUA a criação dos planos para funcionários públicos antecede a institucionalização da previdência para os trabalhadores do setor privado.
Mtodo de investigao: O método de investigação pode ser dividido em duas etapas.
A primeira etapa corresponde à adequada identificação do cálculo do valor dos benefícios previdenciários definidos na legislação vigente:
a)Aposentadoria para servidores ingressantes antes da EC 41;
b)Aposentadoria para servidores ingressantes após a EC 41, não optantes pelo regime de previdência complementar;
c)Aposentadoria para servidores ingressantes após a EC 41, optantes pelo regime de previdência complementar;
d)Aposentadoria para servidores ingressantes após a aprovação da Lei 12.618/12;
e)Aposentadoria por invalidez ou compulsória:
e1) Servidor não optante pela Previdência Complementar;
e2) Servidor optante pela Previdência Complementar;
f)Pensão.
A segunda etapa corresponde à modelagem atuarial propriamente dita. O primeiro passo é segregar a massa de segurados em dois grupos. Fazem parte da primeiro grupo os servidores ingressantes antes da EC 41/03. O segundo grupo é composto pelos ingressantes após a EC 41. Após esta segregação, o passo seguinte é a realização de uma avaliação atuarial da massa de segurados pertencentes ao plano previdenciário, aqui denominada de Cenário Básico. O objetivo primário é ter-se uma estimativa de longo prazo das receitas e despesas do sistema (Plamondon et al., 2002). Esta avaliação é realizada com base nas regras vigentes antes da aprovação da Lei 12.618. A seguir foi realizada uma segunda avaliação nesta base com as modificações da lei 12.618. Esta segunda avaliação foi dividida em duas partes. Na primeira parte foi quantificado o impacto para o RPPS da União da limitação do valor máximo dos benefícios previdenciários ao valor teto do RGPS (mantendo todos os outros dados iguais ao da 1ª simulação). Na segunda parte foi projetado o valor das reservas acumuladas pelo Fundo de Previdenciária Complementar, utilizando a alíquota máxima para contribuição dos servidores e da União.
Esta avaliação atuarial calcula os fluxos futuros de receitas, despesas, bem como as provisões matemáticas referentes aos benefícios previdenciários. Isto é feito utilizando-se os microdados dos registros administrativos dos 186.512 Funcionários Públicos que fazem parte da base. Para que os cálculos sejam feitos é necessária a formulação de algumas premissas e hipóteses referentes às variáveis econômicas e demográficas.
Resultados, concluses e suas implicaes: A avaliação atuarial feita para os dois modelos resultou em déficit técnico, mas o modelo anterior à Lei 12.618 apresenta um déficit técnico 7,5% superior ao modelo pós-Lei 12.618. O novo modelo adotado ocasiona um desembolso financeiro pela União para o Regime Próprio menor que o modelo anterior. No cenário atual, a União desembolsa o valor presente de aproximadamente R$ 34,13 bilhões, referente à sua contribuição para o Regime Próprio e a cobertura do Déficit Técnico, enquanto que pelo segundo cenário, com os benefícios limitados no teto RGPS e contribuição adicional para o Regime de Previdência Complementar a União desembolsaria um valor aproximado de R$ 26,51 bilhões, referente à sua contribuição para o RPPS e RPC e a cobertura do Déficit Técnico, ou seja, o desembolso financeiro seria aproximadamente 22,5% menor. Desse total, R$ 21,85 bilhões destinam-se ao RPPS e R$ 4,66 bilhões ao fundo de previdência complementar.
Outro ponto relevante a se destacar é o resultado do Valor Presente Atuarial dos Benefícios a Conceder (VPABaC). A redução da VPABaC do modelo atual para o modelo previsto na Lei 12.618 é de aproximadamente 67%, valor este fortemente impactado pelo limitação do valor dos benefícios futuros ao teto do RGPS.
O ponto máximo dos fluxos do Valor Atual do Benefícios Futuros (VABF) do cenário atual e do modelo previsto na Lei 12.618/12 é atingido em 2039, sendo que no modelo com regras pré-Lei 12.618, o desembolso é por volta de R$ 1,2 bilhão e no modelo com regras pós-Lei nº 12.618/12 o desembolso é por volta de R$ 700 milhões. A partir desse ponto o desembolso começa a cair
Os fluxos anuais do Valor Atual das Contribuições Futuras VACF no cenário atual e no novo modelo previsto na Lei nº 12.618/12 caracterizam-se principalmente pelos maiores desembolsos serem efetuados nos primeiros anos, decaindo rapidamente até atingir valores irrisórios por volta de 2045.
Um benefício indireto da adoção do Regime de Previdência Complementar é a aplicação das contribuições dos servidores e da união no mercado financeiro, o que pode resultar em aumento da taxa de poupança do país, com impactos positivos sobre o nível de investimento e crescimento econômico. O VPAC calculado é de R$ 9,3 bilhões.
As reformas da previdência que aconteceram por meio das EC 20/98, EC 41/03, Lei 9.717/98 e Lei 12.618/12 propiciaram um arcabouço jurídico que diminuiu as distorções entre o RGPS e os RPPSs, além de definir regras que tornassem os RPPSs mais sustentáveis financeiramente no longo prazo. Neste sentido a criação da Funpresp enquadra-se em uma série de medidas governamentais, que têm como objetivo a uniformização e padronização de regras para todos os trabalhadores, sejam eles do setor público ou privado.
A adoção do regime de previdência complementar pode reduzir o Déficit Técnico (aproximadamente 7,5%) e diminuir os desembolsos financeiros totais da União (diminuição em aproximadamente 22,5%), contribuindo para a geração de poupança doméstica, através dos ativos acumulados pela Funpresp. Os resultados também evidenciam que a criação desta entidade foi uma medida acertada no sentido de reduzir os gastos do ente público com benefícios previdenciários, proporcionando com isso as condições para a obtenção do equilíbrio atuarial no longo prazo. No entanto, deve ser assinalado, que como a parcela do regime capitalizado aumentou, uma parte maior do risco será transferida aos servidores públicos. Este parece ser um preço razoável a se pagar, considerando os ganhos oriundos da criação no novo sistema.
Referncias bibliogrficas: Amaral, F. V. A., Giambiagi, F., & Caetano, M. A.-R. (2013). O fundo previdenciário dos servidores da União: resultados atuariais. Pesquisa E Planejamento Econômico, 43(1), 119–160.
Bowers Jr, N. L., Gerber, H. U., Hickman, J. C., Jones, D. A., & Nesbitt, C. J. (1997). Actuarial Mathematics (2nd ed., p. 753). Itasca: Society of Actuaries.
Munnell, A. H. (2012). State and local pensions: what now? (1a ed., p. 254). Washington, D.C.: Brookings Institution Press.
Parmenter, M. M. (1999). Theory of Interest and Life Contingencies With Pension Applications: A Problem Solving Approach (3rd ed., p. 300). Winsted: Actex.
Plamondon, P., Drouin, A., Binet, G., Cichon, M., Mcgillivray, W. R., Bédard, M., & Perez-montas, H. (2002). Actuarial practice in social security (1a ed., p. 513). Geneva: ILO-ISSA.
Ponds, E., Severinson, C., & Yermo, J. (2012). Implicit debt in public-sector pension plans: An international comparison. International Social Security Review, 65(2), 75–101. doi:10.1111/j.1468-246X.2011.01429.x
Rau, B. L., & Adams, G. A. (2013). No Title. In M. Wang (Ed.), The Oxford handbook of retirement (1st ed., pp. 117–135). Oxford: Oxford University Press.
|