Resumo: Propsito do Trabalho: A Teoria da Utilidade Esperada (TUE) de von Neumann e Morgenstern (1947), defende a racionalidade ilimitada dos agentes econômicos. Porém, as falhas desta teoria em explicar alguns fenômenos econômicos aumentou a insatisfação com o modelo econômico paradigma do homos economicus.
Após o trabalho de Simon (1955) sobre a racionalidade limitada, uma grande quantidade de estudos com base na Teoria da Racionalidade Limitada apontou uma série de vieses cognitivos presentes no processo decisório, dentre os quais o de Arkes e Blumer (1985), sobre o efeito sunk cost, e o de Kahneman e Tversky (1979), sobre a Teoria dos Prospectos e seus vieses: efeito formulação, efeito reflexão e efeito certeza.
Em relação ao ambiente contábil, a justificativa para tal interesse reside no fato de que a transformação recente que a contabilidade passou, principalmente com a convergência às normas internacionais, trouxe aos profissionais de contabilidade a necessidade de julgamentos no processo de reconhecimento, mensuração e evidenciação das informações contábeis, que poderão trazer impacto sob a visão do mercado sobre a empresa.
Neste contexto, o presente estudo apresenta o seguinte problema de pesquisa: qual o impacto de vieses cognitivos, tais como os efeitos sunk costs, formulação, reflexão e certeza, no processo decisório em ambiente contábil?
Assim sendo, tem-se como objetivo analisar os impactos causados pelo uso dos vieses cognitivos efeito sunk costs, efeito formulação, efeito reflexão e efeito certeza no comportamento decisório de discentes de graduação em Ciências Contábeis. Para tanto, utilizou-se um questionário onde os respondentes eram colocados em situações de decisão, escolha e julgamento em ambiente contábil.
Base da plataforma terica: Na visão de Bazerman (2004) o conceito de Racionalidade Limitada ajuda a identificar situações em que o indivíduo está agindo com base em informações incompletas, além de revelar o fato de que as pessoas procuram a satisfação ao invés da otimização.
As pessoas ao tentarem esclarecer o contexto complexo que lhes são apresentados passam a apresentar tendências, propensões e aversões, consequentemente o seus julgamentos se desviam da racionalidade. Um dos fatores psicológicos inerentes ao ser humano é a armadilha dos custos irrecuperáveis. Partindo de um episódio envolvendo senadores americanos que se viram diante de um dilema sobre a conclusão de um empreendimento, o estudo de Arkes e Blumer (1985) testou o efeito sunk costs (custos perdidos ou afundados ou irrecuperáveis) na tomada de decisão.
Segundo Silva, Souza e Domingos (2008), o efeito sunk cost ocorre, pois os indivíduos tem a esperança de recuperar os custos incorridos no passado em ações futura. Além disso, Yates e Tan (1995) notaram que as pessoas procuram evitar a má impressão que os desperdícios de recursos possam causar.
Orientados pelas ideias de Simon (1955), Kahneman e Tversky (1979) foram em busca das bases cognitivas que desviam o comportamento humano das escolhas racional, propondo uma análise descritiva a respeito do processo de escolha sob risco, chamada Teoria dos Prospectos. Através de testes empíricos os autores identificaram uma série de efeitos cognitivos que estão presentes na tomada de decisão e julgamento e que são inconsistentes com os princípios básicos do modelo utilitarista.
Uma das observações feitas pela pesquisa de Kahneman e Tversky (1979) foi o efeito certeza. Diante dos dados recolhidos em pesquisas de campo, os autores notaram a preponderância das respostas por valores que eram considerados certos em relação aos valores que eram apenas prováveis.
Ao compararem os prospectos negativos com os prospectos positivos, os autores concluíram que diante dos ganhos as pessoas são avessas ao risco e no campo das perdas as pessoas procuram se arriscar. Essa relação de preferências, conforme Kahneman e Tversky (1979), é identificada como efeito reflexão, que contraria o postulado utilitarista de que a análise do risco se baseia no impacto que o investimento trará para nível de riqueza do agente.
Kahneman e Tversky (1986) visualizaram que a manipulação da forma de se apresentar e estruturar as informações induz à escolhas diferentes. O efeito formulação é descrito como um fenômeno que possibilitaria reverter a opinião dos tomadores de decisão na medida em que se altera a maneira em que o problema é exposto. Um mesmo cenário com alterações sutis podem influenciar o leitor, de forma que as pessoas avaliam as opções se guiando por panoramas implícitos nos enunciados como, por exemplo, a descrição negativa e positiva.
Diversos estudos no Brasil analisaram a presença destes vieses cognitivos. Dentre estes destaca-se: para o efeito sunk cost os estudosde Miranda, Silva, Anjos e Wink (2010) e de Silva, Souza e Domingos (2008); para o efeito certeza as pesquisas de Gubiani e Lavarda (2011), Quintanilha e Macedo (2013), Dantas e Macedo (2013) e Macedo e Fontes (2009); e para os efeitos formulação e reflexão os trabalhos de Macedo, Dantas e Oliveira (2012), Gubiani e Lavarda (2011), Macedo e Fontes (2009), Quintanilha e Macedo (2013), Dantas e Macedo (2013) e Barreto, Macedo e Alves (2013).
Mtodo de investigao: O processo de amostragem é não probabilístico, pois parte-se de um universo naturalmente restrito, pois a escolha dos respondentes que fizeram parte da amostra se deu por conveniência e acessibilidade dos pesquisadores. A amostra utilizada na pesquisa foi toda composta por discentes de graduação em ciências contábeis de uma universidade pública do Rio de Janeiro, obtendo um total de 134 respondentes.
Para obtenção dos dados utilizou-se um questionário com cinco perguntas fechadas, onde os alunos de contabilidade eram colocados no lugar de um Controller e convidados a tomar uma decisão ou emitir uma opinião acerca dos aspectos abordados em cada uma das questões. Foram feitos dois tipos de questionários (tipos I e II), por conta da necessidade de verificar o viés ao efeito formulação. Porém, cada aluno só respondeu a um tipo de questionário.
As questões utilizadas foram adaptadas dos estudos de Gubiani e Lavarda (2011), Quintanilha e Macedo (2013), Miranda, Silva, Anjos e Wink (2010) e Dantas e Macedo (2013). Não se utilizou de nenhum tipo de instrumento de validação do questionário (como teste piloto, por exemplo), pois o mesmo é composto por questões adaptadas de estudos realizados anteriormente, onde os autores dos mesmos já haviam realizado tal validação para os mesmos fins e efeitos do presente estudo.
As primeira e quarta questões são utilizadas para analisar a presença do viés de efeito sunk cost, sendo que na primeira tem-se a informação de grande parte dos gastos já efetuados e na quarta os gastos ainda não foram iniciados.
As segunda e quinta questões estavam relacionadas ao efeito certeza. A diferença entre as duas questões é que as probabilidades na quinta questão são 4 vezes os valores da probabilidades da segunda questão, gerando uma opção de certeza.
Por fim, na terceira questão procura-se verificar a presença dos vieses cognitivos efeito formulação e efeito reflexão. No questionário tipo I as opções (planos) são descritas de maneira positiva, enquanto que no tipo II são descritas de forma negativa.
Após toda a tabulação foi realizada a análise descritiva dos dados com base em análise de frequência de respostas das questões fechadas sobre os vieses cognitivos. Adicionalmente para análise das questões foram aplicados testes de diferença de proporções.
Resultados, concluses e suas implicaes: A análise das primeira e quarta questões, utilizadas para analisar a presença do viés de efeito sunk cost, revela que na questão 01 a opção SIM foi a preferida, porém, para a questão 04 os mesmos respondentes preferem a opção NÃO. Assim, percebe-se uma clara mudança de preferência, confirmando a ocorrência do efeito sunk cost. Estes resultados são confirmados pelo teste de diferença de proporções. Com isso, tem-se a confirmação da significância estatística da presença do efeito sunk cost no processo decisório em ambiente contábil.
Os resultados da análise da segunda e quinta questões, que estavam relacionadas ao efeito certeza, mostram que os respondentes possuem uma preferência pela alternativa B na questão 02 e pela alternativa A na questão 05. Esta troca de preferências foi confirmada pelos resultados do teste de diferença de proporções, pois tanto a proporção de respostas A quanto a proporção de respostas B, nas questões 02 e 05, eram estatisticamente diferentes ao nível de significância de 10%. Além disso, percebe-se que quase 25% dos respondentes escolheram o par de respostas B na questão 02 (maior valor esperado) e A na questão 05 (menor valor esperado, mas com 100% de chance de ocorrência). Com isso, tem-se a confirmação da presença do efeito certeza no comportamento decisório em ambiente contábil.
Por fim, na análise das respostas da terceira questão, observou-se que há uma inversão de preferência, visto que os respondentes que receberam o questionário tipo I (com as opções expressas de maneira positiva) apresentaram preferência pela alternativa A e os respondentes que receberam o questionário tipo II (com as questões expressas de maneira negativa) apresentaram preferência pela alternativa B. Com isso, percebe-se a presença do efeito formulação, visto que houve alteração (estatisticamente significativa pelo teste de diferença de proporções ao nível de 10% de significância) de preferências com uma manipulação apenas na maneira de apresentar as alternativas.
Adicionalmente, ainda em relação a questão 03, observa-se que além de uma alteração da preferência, existe uma preferência pela opção A (alternativa mais certa) no questionário tipo I e pela opção B (alternativa mais arriscada) no questionário tipo II. Assim sendo, a alteração observada indica a presença do efeito reflexão no processo decisório em ambiente contábil. Porém, este resultado só é confirmado estatisticamente para o campo das perdas (questionário tipo II).
Todas estas evidências mostram que o futuro profissional de contabilidade está sendo afetado por vieses cognitivos e que no exercício da profissão de contador farão julgamentos e escolhas que serão impactados por estes efeitos indesejados. Em relação ao efeito sunk cost pode-se indicar caminhos de recuperação de custos afundados aos gestores que não fazem sentido e trarão perdas à organização. Os efeitos certeza, formulação e reflexão podem induzir os profissionais de contabilidade a escolhas economicamente menos atraentes, mas apresentadas cognitivamente de forma mais atraente.
Além disso, os achados do presente estudo podem colocar em dúvida a eficiência da contabilidade como provedora de informações para o processo decisório de seus usuários, visto que os julgamentos necessários ao longo do processo de reconhecimento, mensuração e evidenciação das informações contábeis podem estar impregnados de vieses cognitivos.
Por fim, os resultados, por terem sido obtidos numa análise do comportamento de discentes de ciências contábeis, podem estar apontando para a necessidade de revisão da formação dos mesmos, tendo como base as mudanças já discutidas no ambiente do exercício profissional da contabilidade.
Para futuras pesquisas, recomenda-se que se estudem as demonstrações contábeis para verificar se, principalmente, nas notas explicativas é possível observar textos que procurem induzir os usuários a uma análise enviesada. Além disso, seria interessante que questões sobre decisões voltadas à Contabilidade Societária fossem apresentadas a profissionais de contabilidade para verificar a presença de vieses cognitivos nas IFRS.
Referncias bibliogrficas: Arkes, R, & Blumer, C. (1985). The psychology of sunk costs. Organizational Behavior and Human Decision Process, 35 (5), 124-140.
Bazerman, M. H.(2004) Processo decisório: para os cursos de administração e economia. Rio de Janeiro: Elsevier.
Dantas, M. M. , & Macedo, M. A. S. (2013). O Processo Decisório no Ambiente Contábil: Um Estudo à Luz da Teoria dos Prospectos. Revista de Contabilidade e Controladoria. 5(3), 47-65.
Gubiani, C. A., & Lavarda, C. E. F. (2011). Vieses Cognitivos que Influenciam a Tomada de Decisão Orçamentária de Alunos de Programas de Pós-Graduação em Ciências Contábeis no Brasil. Anais do Congresso ANPCONT. Vitória, ES, Brasil, 5.
Kahneman, D, & Tversky, A. (1979). Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk.
Econometrica, 47(2), 263-292.
Macedo, M. A. S., & Fontes, P. V.S. (2009). Análise do Comportamento Decisório de Analistas Contábil Financeiro: Revista Contemporânea de Contabilidade, 6(11), 159-186.
Miranda, L.C.; Silva, D.J.C.; Anjos, L.C.M., & Wink,P.K.S.(2010, julho/dezembro). Decisões de Investimento na Presença de Sunk Costs: será que os contadores são mais racionais?. Sociedade, Contabilidade e Gestão. 5(2), 25-38.
Simon, H. A. (1955). A behavioral model of rational choice. The Quarterly Journal of Economics, 69 (1), 99-118.
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